ARTIGO: A Igreja e a Paróquia

dezembro 2, 2022

Pe.

Pe. Matias Soares - Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório

O Papa Francisco, na sua visita apostólica à Ilha de Malta (2-3/4/22), falou sobre a atualidade teológica e eclesial da leitura dos sinais dos tempos e do movimento histórico do seu predecessor no exercício do ministério petrino, o Papa Emérito Bento XVI, em diálogo com os Jesuítas malteses. Assim expressou-se o Pontífice: “O Papa Bento foi um profeta da Igreja do futuro, uma Igreja que será mais pequena, perderá muitos privilégios, será mais humilde e autêntica, e encontrará energia para o essencial. Será uma Igreja mais espiritual, pobre e menos política: uma Igreja dos pequenos. Bento disse quando era bispo: preparemo-nos para ser uma Igreja mais pequena. Esta é uma das suas ideias mais ricas” (Cf. https://www.laciviltacattolica.es/2022/04/14/cual-es-la-vocacion-de-la-iglesia). Essa percepção tem que ser levada muito a sério, até mesmo por nós outros, latino-americanos, que sempre tivemos a constatação de que somos um povo de raízes cristãs católicas. 

A ação pastoral faz parte da dinâmica da Igreja. Podemos dizer que a Igreja é pastora. Tem a missão de cuidar das ovelhas, especialmente aquelas que mais sofrem. Tem que ser samaritana, misericordiosa, acolhedora e apostólica. Ela é Mãe e Mestra (S. João XXIII). Essa definição afetuosa da ontologia da Igreja é sublime. A mesma, enquanto Sacramento Universal de Salvação, tem um movimento próprio. Tem vida e precisa estar a serviço da vida. O Papa Francisco afirma ainda que “a Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas. Sair em direção aos outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direção nem sentido. Muitas vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho. Às vezes, é como o pai do filho pródigo, que continua com as portas abertas para, quando este voltar, poder entrar sem dificuldade” (Alegria do Evangelho, 46). Temos que parar para seguir essas prerrogativas evangélicas e pastorais que dão o frescor e a necessidade da Igreja como canal da graça de Deus ao Ser Humano sequioso de sentido da existência. 

Nesta conjuntura católica há que ser posta a importância da paróquia. Os acontecimentos destas células de uma Igreja Particular precisam ser pensados à luz da definição da paróquia como comunidade de fé, amor e esperança. Mais do que nunca, há a urgência de uma humanização das comunidades paroquiais. Elas precisam ser ‘comunidades das virtudes teologais’. Para isso, a conversão missionária tem que ser implementada (Alegria do Evangelho, Cap. I). Ela é a presença da Igreja na vida das famílias, mas é também a presença das famílias na vida da Igreja. Não devemos ainda desconsiderar na palavra magisterial do Papa Francisco, que fala sobre as paróquias no contexto de nova evangelização, o seguinte: “A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar constantemente, continuará a ser ‘a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas’. Isto supõe que esteja realmente em contato com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos.

A paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração. Através de todas as suas atividades, a paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da evangelização. É comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário. Temos, porém, de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-as ainda mais próximas daspessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-as completamente para a missão” (Alegria do Evangelho, 28). A renovação do estilo de fazer pastoral, como já indicado, tem que ser mudado e ressignificado. O aprimoramento da metodologia pastoral é a questão de fundo. E por que temos que fazê-lo? Porque as nossas ações ainda são da época da Cristandade.

Para essa reconfiguração da prática pastoral, um dos pontos a serem levados em conta é a centralidade da Palavra de Deus a tudo que fazemos, inclusive das pregações cotidianas. Existe um grande débito da pastoral eclesial para com a Sagrada Escritura. Para que a Igreja seja verdadeiramente missionária, ela tem que voltar-se à palavra de Deus. É a palavra que provoca conversão. Por ela, podemos fazer de fato com que a Igreja possa ser, toda ela, ministerial. Um salto de qualidade pastoral pode ser alcançado, sem que tenhamos preocupações com a massificação da evangelização. A sacramentalização como via metodológica das práticas pastorais da Igreja, principalmente após o Concílio de Trento (1445-1463), mesmo tendo sua importância para aquele contexto histórico, tem suas contas a serem pagas nos tempos contemporâneos, por causa das marcas petrificadas e, mais recentemente, super valorizadas por grupos anacrônicos e reacionários, que buscam em retrocessos pastorais respostas evasivas aos desafios eclesiológicos de hoje.

A mística e mistagogia sacramental, tão fomentadas pelos Padres da Igreja, é uma possibilidade que precisa ser fomentada numa fase da história em que o ‘sujeito’ deseja ardentemente ir de encontro com o Mistério amoroso de Deus, que para nós Cristãos tem uma face e um rosto identitários, que é Jesus Cristo, nosso Salvador e Redentor.

Na prática um desafio a ser superado é a falta de elã missionário e pastoral de muitos ministros ordenados, infelizmente. A sensação que temos é que alguns destes estão agarrados a estruturas fixas e garantidoras de privilégios burocráticos, de poder e de econômico. Para estes ‘desanimados e marcados por essa crise de sentido pós-moderno, e mais ainda neste pós-pandemia’, a Igreja é visualizada como um Titanic que está afundando e que vários deles ficam apegados aos pequenos barcos que podem salvá-los e dar-lhes alguma garantia de sobrevivência. O Papa Francisco, como vimos no início, está muito ciente sobre o que podemos esperar da Igreja do futuro. Para nós, ministros ordenados, também há profunda urgência de retorno às fontes da nossa vocação; caso sejamos verdadeiramente chamados por Ele para o seu serviço, anúncio e testemunho do Reino de Deus. Nesta linha de meditação, visualizo que o futuro do Cristianismo será marcado, mais uma vez, pelo protagonismo universal dos Fiéis Leigos; caso não tenhamos uma mudança teológica sobre o sentido e a descentralização dos ministérios ordenados na Igreja, inclusive na possível ordenação de mulheres, de homens casados e reformulação no estilo formativo das casas de formação. 

Estas não podem continuar a ser ‘incubadoras’ de pequenos príncipes e fugitivos da realidade. O ministro ordenado/consagrado necessário ao mundo de hoje é aquele que assume a radicalidade evangélica, sem radicalismos que negam o outro e as diferenças existentes num mundo marcado por problemáticas ecológicas, de justiça social e de sofrimentos existenciais.

As questões precisam ser postas com coragem, determinação e, acima de tudo, com profunda confiança evangélica. O Papa Francisco tem sido uma luz surpreendente para este momento histórico. Ele ainda não está sendo acolhido por alguns católicos, marcados por essa evangelização envernizada e massificada pelos totalitarismos ideológicos e mercadológicos da modernidade, que tanto criticaram a verdade objetiva e que agora são reféns das suas ‘meias verdades’ subjetivas. Temos que nos ater ao Evangelho. É a condição sem a qual as atitudes pastorais da Igreja não ecoarão no hodierno e nos tempos vindouros. Uma conversão profunda é a via promissora para a consecução destes intentos e finalidades. Uma mistagogia cristã que corresponda aos inquietantes propósitos da pós-modernidade, que tem na subjetividade a sua pedra de toque a ser considerada quando é pensada a nova evangelização numa sociedade marcada pela ‘Era do indivíduo tirano’ (Cf. Éric Sadin). 

A forma deste complexo mundo de guerras em pedaços e globais (Rússia x Ucrânia), seja entre os homens, ou das pestilências contra essa Humanidade, não é mais absorvida como antes. Tudo é tão instantâneo e veloz. As inovações científicas, que já fazem parte das narrativas sociais como ‘metaverso’, ‘inteligência artificial’, ‘big data’ etc, devem chamar-nos à atenção. Enquanto estamos presos e condicionados a um ‘modus operandis’ em que os sacramentos são a via de evangelização, ainda mais numa sociedade marcada por tanto indiferentismo a Deus, novas etapas é mister que sejam assumidas por todos nós, que fazemos parte da Igreja. O grande teólogo Karl Rahner afirmara sobre o ‘Cristão do futuro’ que “ou este seria um ‘Místico’, ou não seria Cristão”. Com as sequelas corporais e psicológicas deixadas pelo Covid, essa característica dos discípulos de Jesus Cristo torna-se ainda mais relevante e, mais do que nunca, necessária.

Por fim, neste itinerário de aprofundamento da existência cristã, como também de qualificação missionária pastoral da Igreja, é importante um conselho: sejamos homens e mulheres amantes da oração e do estudo! Como pode acontecer que um Cristão não busque a intimidade com Deus, ainda mais se tem responsabilidades missionárias, catequéticas e pastorais? Longe disso, cairá no ‘mundanismo espiritual’. Na paróquia, como santuário, casa e escola de comunhão e participação, lugar de proximidade e de escuta, comunidade de fé, esperança e caridade, família das famílias, temos que avançar muito nesta direção! Ainda mais, nas realidades urbanas. Lutemos por estes excelentes propósitos e vamos em frente como Igreja de Jesus Cristo e seus mais profundos adoradores! Assim o seja!

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