Crônicas do domingo

julho 12, 2020

Centenário de nascimento do folclorista Mário Souto Maior             *Gutenberg Costa – Pedagogo, bacharel em Direito, escritor e folclorista.

Centenário de nascimento do folclorista Mário Souto Maior

            *Gutenberg Costa – Pedagogo, bacharel em Direito, escritor e folclorista.

            O saudoso amigo e mestre folclorista nasceu no dia 14 de julho de 1920, na cidade pernambucana de Bom Jardim e publicou centenas de obras relacionadas a nossa cultura popular entre 1969 e 2000. Conheci Mário Souto Maior em um evento cultural na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, no início dos anos 90, atendendo convite do amigo historiador Frederico Pernambucano de Mello. Mário era de uma simplicidade como poucos e logo passamos a nos corresponder por cartas. Depois pelos rápidos e modernos e-mails. Pedidos de lá e de cá me fizeram um honroso colaborador de informações.

Como um mestre sempre preocupado com os ‘discípulos’ mais jovens, incentivou-me com ideias e sugestões de pesquisas. Como diz o saber do povo: “Colocou lenha na fogueira com pouco fogo”. Minha velha caixa postal não parava de receber livros seus e de seu círculo de amizades. Através dele, também colaborei nos folhetos de cultura popular da referida fundação. Praticava sua costumeira ‘trama’ do bem e da amizade com os amigos espalhados pelo mundo, uma prática que era tão apregoada por Câmara Cascudo (1898-1986). Poucos são os que se preocupam em nos ajudar e incentivar nesse mundo da crítica e da inveja. E de sua longa amizade Cascudo, resultou no prefácio do potiguar ao seu livro - ‘Antônio Silvino, Capitão de Trabuco, de 1971.

Certa feita ficou admirado ao saber que eu ainda não havia escrito nada em parceria e, em 2020, juntos publicamos o livrinho - ‘Frei Damião – Algumas Referências Bibliográficas’, edição da 20-20 Comunicação e Editora. Para a confecção desse trabalho, nem precisa dizer que importou em minhas idas ao seu local de trabalho, em Recife e consequentemente, a sua casa em Olinda/PE. O velho amigo partiu antes de outros projetos e parcerias já agendadas. E nossa rápida vida é uma surpresa ou ‘perigosa’ jornada como sabiamente disse o mineiro Guimarães Rosa (1908-1967).

            Sempre com seu inesquecível bom humor, me recebia com alegria nordestina e um inseparável licor que era feito pelo próprio. Segundo me confessou essa ‘abrideira’ teria sido aprendida com o seu mestre e amigo Gilberto Freyre (1900-1987), que deste modo recebia alegremente seus convidados. E foi o grande autor de ‘Casa Grande e Senzala’ que o incentivou e apresentou o famoso mariosoutiano, ‘Dicionário do Palavrão’ em 1980. E Mário não cansava de repetir-me o seu ‘mantra’ do bem viver: “Ajude sempre os amigos e mantenha as antigas e boas amizades!”. Deu-me muitos experientes conselhos, como: “Procure publicar logo o que ainda não foi esmiuçado antes!” ou “Converse pouco sobre suas ideias inovadoras com aqueles conhecidos invejosos”.

            Durante as comemorações aos seus oitenta anos, me delegou a incumbência de levar alguns amigos à referida festança. E lá chegamos eu, Severino Vicente, Cid Augusto, Kydelmir Dantas e os saudosos Celso da Silveira (1929-2005) e Getúlio Araújo (1946-2003). Teria muitas histórias boas e engraçadas sobre essa justa homenagem ao ilustre pernambucano e a seleta comitiva papa jerimum. Meu saudoso compadre de fogueira, Celso, não cansava de repetir durante a viagem a Recife: “Só mesmo Mário Souto Maior me faria sair de casa, com minha idade e com o meu peso!”. Mário, em suas cartas dirigidas a mim, não esquecia o fraternal amigo ‘gordo’: “Dê um ‘abraaaaçoooo’ para abarcar meu amigo Celso!”. Os dois juntos seriam o gordo e o magro...

            Em 2014, foi inclusa a minha crônica – ‘Meu saudoso amigo folclorista Mário Souto Maior’ em meu livro ‘Cultura Popular – Vivências e anotações de um pesquisador/folclorista’, na qual lembro outras vivências que tive ao longo de uma fraterna amizade de décadas. De início, pensava que não devia incomodar o amigo com seus tantos afazeres. Eu, ainda datilografando com minha teimosa Olivetti e fotografando com minha superada Kodak e este já estava agarrado em um moderno computador e sua assombrosa digital: “Vou fazer uma foto sua meu amigo com esse novo brinquedo que recebi de presente dos meus filhos!”. Um dia, dona Carmem insistiu para que o marido fosse trocar a sua camisa já velha por uma mais nova e esse a convenceu com este argumento tão simplório e característico dele mesmo: “Carmem, Gutenberg Costa já é de casa. Deixe-me com essa camisa mesmo. Ela sabe muito bem o que é vestir uma camisa já amansada!”. Nessa ocasião, lembrei-me de Câmara Cascudo recebendo as maiores autoridades, de pijamas, com a santa complacência de dona Dhalia (1909-1997). Então, desse dia em diante passei a contrariar uma das antigas regras de minha mãe, dona Estela Medeiros (1925-1998), a qual me ensinava justamente ao contrário dos mestres folcloristas: “Se vista muito bem meu filho, perante as visitas importantes, pois a sua vestimenta lhe causará uma boa impressão!”. Lamentavelmente, eu fui criado comendo contente a farofa da galinha dos visitantes lá de casa. E está perdoada a minha canonizada genitora, que inocentemente queria apenas oferecer o melhor às amizades!

            Em uma oportunidade me recebeu em sua mesa com um banquete gastronômico sertanejo: “O amigo vai almoçar um cozido de perna de boi acompanhado de pirão escaldado”. E riu muito quando eu lembrei que meu pai, Geraldo Costa, (1915-1994) dizia-me em tom de brincadeira e ao mesmo tempo, sério ameaçador: “Comeu do meu pirão, levou do meu cinturão!”. Mário soube viver muito bem e com bom humor a verdadeira e difícil arte de sobreviver a tudo. É desta maneira que me recordo do amigo e mestre sempre dando risadas de seus causos e histórias contadas e vividas. Riquezas só colhidas no âmbito das poucas e sinceras amizades... Seu coração era muito maior do que a sua Olinda. O nosso folclorista Mário, exímio aglutinador de amizades, partiu para a ‘eternidade’, como gostava de nos dizer, em 20 de setembro de 2001. Deixo aqui a minha resumida homenagem e declarada gratidão ao amigo e mestre! Viva Mário Souto Maior!

                                                                    12/07/2020 – Nísia Floresta/RN

Poucas e boas do Padre Alcides

Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

O mipibuense padre Alcides Pereira foi um dos mais atuantes párocos que já passou por Macaíba. O seu serviço de som constituído de oito bocas-de-ferro centradas, estrategicamente, na torre da Igreja Matriz, espalhavam som a quilômetros de distância. E isso o fazia respeitado e temido. O Cine Clube Paroquial foi uma das suas criações. A sua voz era empostada. Parecia ter guardanapos na garganta para servir bem à voz. Baixinho, de batina preta, grandes olhos azuis, microfone a mão, anunciava para toda a cidade: “Hoje, no Cine Clube Paroquial assistam a “Matar ou Morrer” com Gary Cooper. Depois missa na Matriz”.

Essa outra aconteceu na Igreja Matriz deMacaíba lotada, durante uma missa dominical. O padre Alcides fazia o seu eloqüente sermão, quando se aproximou do altar o temido deficiente mental “Doido de Alexandre”, homem corpulento de um metro e oitenta de altura, agressivo e taciturno, que havia voltado a beber. Suspense e angústia entre os paroquianos. O louco quedou-se diante do padre que passou a dividir as atenções entre a oração e o homenzarrão que o fitava fixamente, gerando um clima de uma iminente agressão. O padre Alcides não deixou por menos. Pelas oito bocas-de-ferro, abriu o bocão e falou: “Alô, alô, tenente Geraldo, compareça urgente à Matriz. Um louco à solta!!!”. A polícia veio, numerosa e precavida. Mas, só com muito custo retirou o incômodo penetra.

Em outra ocasião, o padre Alcides celebrava uma missa , no final, quando proferia o “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe”, foi interrompido pelas palmas profusas de um bêbado. Sem titubear, em cima da bucha, o padre proferiu pelo microfone: “Senhor, perdoai porque ele não sabe o que faz!”.

Por último, me ocorreu a do batizado do filho do macaibense e fanático aluizista João Curador. Corriam os anos sessentas. Aluízio Alves era governador a quem o padre Alcides não via com bons olhos. O batizado foi marcado para às 17 horas. Igreja cheia. Aluízio no auge. A família de João Curador toda vestida de verde. O menino, que se chamava Aluízio, vestia enxoval verde, toca verde, bubu verde, sapatinhos verdes, tudo verde. Aluízio deu uma maçada de duas horas, para desagrado e irritação do padre Alcides. Quando o governador chegou, de repente, todos se reuniram em volta da pia batismal e aí o padre Alcides, possesso, se referindo à criança, soltou aquele seu vozeirão: “Tragam o gafanhoto!!!”.

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