Os Profetas de chuvas e seus saberes
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Escritor e Folclorista.
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Escritor e Folclorista.
Todo mundo atualmente está preocupado com o grande calor ambiental no Nordeste. Muitas queimadas e incêndios. E a preocupação com a vinda ou não de chuvas, continua.O inteligente “Profeta” de chuva trata-se de um homem sertanejo, quase sempre um pobre agricultor analfabeto ou leitor de cordéis e pouco estudo escolar. São religiosos, alguns ligados à chamada religiosidade popular (organizadores de procissões, novenas ou festas de padroeiros). Devotos de santos populares não canonizados, como: Padre João Maria, Padre Cícero e Frei Damião. Creditam a Deus seus ‘dons’ de sentir e ver os sinais proféticos: ‘haverá ou não um ano de bom inverno ou seca’.
Alimentam-se e vestem-se com simplicidade, como qualquer homem pobre do nosso sertão. São conversadores, prosadores e contadores de estórias do folclore, do tipo de exemplos, morais, religiosos, assombrações e crendices. Acordam cedo para o trabalho na lavoura, sítio ou propriedade rural.
Respeitam e adoram os animais e plantas do meio em que vivem. Preferem a medicina popular à oficial dos postos de saúde. Vão à cura de uma rezadeira mais do que à benção e rituais dos padres. Não cobram por suas profecias anunciadas aos agricultores amigos, jornais, rádios ou outros meios de comunicação. É um biótipo quase em extinção e porque não enfatizar - um forte, na mais alta concepção de resistência cultural, segundo Euclides da Cunha.
Mesmo não sabendo sobre tecnologias e estudos metereológicos na ponta da língua, sabem de muita coisa para deixar os Doutores de queixos caídos. Seus saberes são populares e oriundos de conhecimento repassados pelos seus antepassados. Cultura dos nossos índios e negros. É o conhecimento a priori da psicologia humana sertaneja que, para esses, um bom inverno não precisa, necessariamente, transbordar rios e sangrar açudes. Dando para floração e colheita é o bastante, pois em sua exemplar simplicidade não há a ganância do homem da cidade cosmopolita. Quem esteve com algum, deve ter ouvido de sua boca este dito popular: “mais vale o pouco com Deus, do que o muito com o diabo!”.
No Estado do Ceará, os cientistas populares de chuva são demasiadamente respeitados, pois na cidade de Quixadá/CE já ocorre anualmente um encontro desses há décadas, reunindo imprensa, estudiosos da climática nordestina e agricultores interessados em um ano bom de inverno. Aqui, no Rio Grande do Norte, a jornalista Ana Luiza publicou uma longa e respeitosa reportagem no jornal Tribuna do Norte, de 21/11/2004, com alguns profetas da cidade de Mossoró e região Oeste.
E existem incontáveis ditos populares relativos à chuva no tocante a oralidade do povo sertanejo: quem tem poder é chamado de ‘manda chuva’. Quando alguém está indeciso está num ‘chove mais não molha’. Quando se quer aconselhar alguém para sair ou desistir de algo, dizemos ‘pode tirar o seu cavalo da chuva’. Quando a confusão foi grande: ‘choveu cacete em todo mundo’. Quando se quer afirmar que não falta a obrigação recomendada, ouvimos: ‘que chova, que faça sol’. Quando se jura algo vem logo com esta: ‘nem que chova canivete’. E se alguém ironiza outro metido a sabido, lhe diz prontamente: ‘está querendo adivinhar chuva’.
Superstições: são variadas, por exemplo: abrir guarda chuva dentro de casa apressa a morte do dono da casa; faz mal chamar a abençoada chuva no sertão de ‘danada’, ‘maldita’ ou chuva dos ‘diabos’; emergir um rosário em meio copo d’água faz parar a chuva intensa; jogar um punhado de farinha no terreiro, não chove; desenhar um sol no chão, não vem chuva; jogar no quintal a clara do ovo para Santa Clara clarear não chove; chamar pelo sol em dia nublado não chove mais; jogar cinza para o lado do nascente, não acontece de chover. Superstições ainda existem nesse mundo globalizado de todo mundo com celular nas mãos. Essas quando envolvem secas e chuvas são muitas divulgadas por folcloristas, entre eles, o nosso genial Câmara Cascudo, em suas obras. E são atualíssimas!
Algumas experiências dos ditos profetas para sentirem a chegada das chuvas: floração do Marezeiro, Ipê ou da Carnaubeira no mês de setembro; Juazeiro e Oitizeiro, em janeiro e Coaçu, em novembro; quando a Inioba carrega ou o Mandacaru flora; quando o Angico põe resina é sinal de chuva; Andorinhas voando baixo; canto de Anum preto nas margens dos rios; canto do Rola Fogo-Pagou.
E ainda: Galinha ciscando muito o terreiro; Rolinha roxa pondo pelo chão; quando o mel das abelhas é fino e amolecido a cera; Enxu fazendo suas casas nos altos; peixe ovado no final do ano; quando tatus, preás e mocós estão mojados; quando no mês de janeiro se avista filhotes de cobra e gato; Rolinha fazendo ninho no chão, cobra trepadas em árvores; quando é morto o Anum e é observado seu corpo cheio de ovos; carrapato de Pebas caindo; Curimatã ovada e gorda; Calango suando;
E mais: João de Barro ou Maria de barro fazendo ninhos; muito gato novo; Jumento suando no canto da orelha; quando há pombal; Camaleão desovando cedo; quando se vê a agitação de sapos, formigas, cupins, cigarras e lagartixas; quando aparecem muitos pebas; carneiros amanhecendo alegres e inquietos; quando chove nos meses de novembro a dezembro; quando o pássaro Galo de Campina canta nas madrugadas, é sinal de um bom inverno no ano seguinte. Eu mesmo observo que o surgimento de muita formiga preta em meu quintal é um certeiro prenúncio de chuvas.
E quando a chuva chega ao mesmo tempo em que o sol, o povo estranha e diz que é dia de “casamento da raposa”. Ouço muito isso onde moro em uma região rural de Nísia Floresta/RN. As experiências dos sábios profetas ou doutores das chuvas são calcadas nas suas sabedorias com o meio ambiente em que foram criados. Onde moro converso muito com os populares e bebo de suas sabedorias, que meus cursos superiores, não me transmitiram. Aqui, quando cheguei, fiz cursos com muitos vizinhos, sobre chuvas, criar patos, galinhas, plantar e colher na hora certa. Tudo com seus segredos!
Saberes que são erroneamente chamados de ‘folclóricos’ por alguns. Seria como se o profeta de chuva e o folclore fossem absurdamente sinônimos de coisa sem ‘valor’ ou ‘mentiras’. O profeta deve ser muitíssimo respeitado. O folclore é ciência e estudo muito sério de nossas manifestações populares. A verdadeira cultura do povo. Ambos merecem muito o nosso respeito!
Morada São Saruê, perto da Lagoa Papary, Nísia Floresta, 18/10/2020.
Conheci um na minha Santa Cruz, Zezé Profeta, analfabeto, assuntadô de mistérios da natureza, vereador preocupado com a educação. Depois dele, não existiu mais profeta em nossa região. O que é lamentável porque isso é cultura.
Gutemberg é uma enciclopédia cultural viva ! Parabéns ao blog por abrir esse espaço !