Lembranças de minha infância (1): Semana Santa
José Alves – Jornalista e editor do jornal e do blog O ALERTA Dentre as várias lembranças de minha infância, recordo-me com carinho dos momentos vividos em minha infância na cidade de Açu (ou seria Assú? Até hoje tenho dúvida), até os 12 anos, quando, no ano de 1967, meu pais, o comerciante de miudezas, […].
José Alves - Jornalista e editor do jornal e do blog O ALERTA
Dentre as várias lembranças de minha infância, recordo-me com carinho dos momentos vividos em minha infância na cidade de Açu (ou seria Assú? Até hoje tenho dúvida), até os 12 anos, quando, no ano de 1967, meu pais, o comerciante de miudezas, Artur Galdino e a professora Saturnina Souza resolveram sair de Cerro Corá/RN e ir residir em Açu e, posteriormente, em 1967, formos para Baixa Verde (atualmente, João Câmara/RN), onde "corria muito dinheiro, por conta da produção de algodão e agave".
Vivi uma infância feliz em Açu, conhecida por ‘Atenas do Sertão’, ou ‘Terra dos Poetas’. Muitas lembranças.. que, em outro momento contarei.
Uma dessas lembranças que me marcou era a semana Santa. Havia luto e a sensação de que algo misterioso pairava no “ar”. As pessoas, tementes a Deus, participavam das cerimônias religiosas até com certo temor. Mas, para nós crianças,o bom mesmo era uma semana sem precisar ir à escola.
Mas os tempos mudaram, começando com própria conduta dos fiéis depois das reformas na igreja. Alteraram-se os costumes e muitos dos rígidos rituais católicos tornaram-se flexíveis, adaptados aos tempos modernos. Muitos nem são mais seguidos. Pode-se dizer que tudo era diferente dos costumes de hoje. Havia um sentimento cristão enraizado no comportamento das pessoas que lamentavam e choravam a morte de Cristo. A vida normal do povo dava lugar a um sentimento de tristeza e lamentações.
Tudo iniciava com a solene abertura do Domingo de Ramos. Nas missas matinais, que começava às 5h, na centenária igreja de São João Batista, do Açu. Os fiéis levava símbolos, geralmente em forma de cruz, feitos com palhas de carnaúba, de belos traçados estéticos, que eram bentas pelo sacerdote.
Posteriormente, essas cruzes ou, simplesmente, ramos eram colocados por trás das portas de entrada das residências, para espantar mau-olhado, se defender das maldades alheias ou doenças que poderiam ser acometida às famílias daquela casa.
Um dos costumes que mais me chamava atenção era o costume de cobrir as imagens e crucifixos das igrejas e nos oratórios e quadros com imagem dos santos, nas residências, com tecido roxo, durante a Quaresma. O ambiente se tornava sinistro. Ficava aliviado ao não vê a imagem do Senhor Morto,deitado, cheio de feridas e sangue, que era cuidadosamente exposta em uma vitrine, numa das laterais da igreja do Açu. Aquela imagem me remetia ao um misto de curiosidade e medo, quando passava próximo.
Outro costume, que me vem a lembrança era que os católicos procuravam jejuar. Não se comiam carne. A rígida abstinência chegava até ao jejum absoluto para algumas pessoas. Minha mãe, por exemplo, comprava peixe de água doce, pescado no rio Açu, que era vendido, fresquinho, no mercado público. No almoço, era servido ao leite de coco ou frito. Para acompanhar, um suco de cajarana, sem açúcar. Eu achava tudo, muito horrível.
Na sexta-feira Santa, eu e meus irmãos éramos orientando a não maltratar os animais, porque era ‘pecado e, iria para o inferno, caso o fizesse”. Em nossa casa trabalhava-se leve. Não varria a casa, não lavava ou engomava roupas, a partir deste dia.
Não tirava a barba e cortar o cabelo, nem em pensamento. As pessoas evitava usar batom e mesmo perfume, por serem sinais de vaidade. Alguns eram mais rígidos e evitam tomar banho nesse dia, pelo perigo das tentações à vista do corpo. Chamar palavrões, cantar, dançar, namorar e até assobiar, seriam sinais de uma alegria incompatível com um momento tão triste. Fazer sexo, fora de cogitação.
Anos depois, já com 16 anos, em Baixa Verde, após um porre homérico de um “coquetel”, preparado por várias bebidas, fui levado por amigos (diga-se: ‘amigos da onça’) ao ‘Gango’, como se chamava o cabaré, na cidade. Lá, me encaminharam a uma mulher, que foi logo dizendo: - “O serviço, só depois da meia-noite, pois não quero pecar”.
Na sexta-feira Santa, os aparelhos de rádios à pilha, pois não havia energia elétrica (em Açu ainda não tinha emissora de rádio,os programas radiofônicos eram sintonizados às rádios da cidade de Mossoró), quando ligado, só entoavam canções melancólicas ou religiosas. Enquanto isso, o sino da Matriz, não parava de tocar badaladas de repique fúnebre, durante todo o dia.
A tarde, acontecia a procissão do Senhor Morto percorrendo as principais ruas da cidade e retornando a Matriz. A igreja ficava repleta e com muita gente do lado de fora. A procissão era acompanhada apenas pelo som das matracas, o sino silenciava.
Quem fosse ao cinema, no Cine Teatro Pedro Amorim, assistiria inevitavelmente ao tradicional e já antigo filme A Paixão de Cristo, em preto e branco e, geralmente, os espectadores choravam, durante o filme.
Geralmente à noite, ocorriam os roubos de galinhas. Fui pesquisar sobre esse costume. Eis o que encontrei: “Uma tradição curiosa é a de se roubar galinhas na Sexta-feira Santa. Um dia tão solene como este, considerado de luto por todos os cristãos, ao mesmo tempo traz esse costume com jeito pagão e transgressor. A explicação para esta prática é a de que as pessoas aproveitam o dia em que o Senhor está morto, de forma que não vê os pecados cometidos, para praticar pequenos delitos”. Fiquei em dúvida, em relação ao que li.
Sobre esse tema, me vem a lembrança, já adulto, em São José de Mipibu, quando o galinheiro da Casa Paroquial era uma atração para a garotada, na Semana Santa. Roberto Ferreira, filho do saudoso, ex-prefeito Hélio Ferreira, residia vizinho a Casa Paroquial e uma certa vez, chegou a fazer essa traquinagem, roubando uma ‘penada’ do saudoso padre Antônio Barros, para degustar depois da meia-noite da sexta-feira, com os amigos. Depois, o pai teve que se desculpar do velho sacerdote e meteu bronca no filho.
Hoje são poucos os praticantes. Muita gente não gosta da brincadeira, sobretudo as pessoas que têm seus animais roubados. Mesmo assim, a noite de Sexta-feira Santa também é noite de vigília aos galinheiros pelos proprietários de crianção de galinha.
Finalmente, chega o sábado, quando os sinos voltavam a tocar e as imagens e os altares eram despidos de seus panos assustadores. Era celebrada a Missa da Aleluia, Finalmente, no domingo de Páscoa, vindo depois a Santa Missa, encerrando os trabalhos religiosos.
Hoje, passadas algumas décadas, vemos que a Semana Santa foi destituída de seus contornos religiosos e se modernizou. O pior é que poucos sabem o verdadeiro sentido da celebração. Para muitos é, simplesmente, mais um feriado prolongado… !
Tudo é bem diferente hoje em dia. Lembro que na minha infância minha mãe cobria os santos, não se comia carne, doce, hoje às pessoas não têm mais essas tradições.
Maravilha irmão! Lembrança e gestos nobre dos nossos pais 🙏🏻🌟👏👏👏
Boas recordações amigo
O que eu achava ruim durante o tempo da quaresma até à semana santa era porque durante esse período de tempo não se podia caçar, pegar passarinhos e nem pescar. A quaresma era muito tempo para não poder fazer quase nada e ainda tinha que acompanhar todos os eventos realizados pela igreja.
Muito boas lembranças e bem descritas, como sempre acontece com seus textos!