UMA HISTÓRIA DE AMOR
Ivan Maciel de Andrade- Procurador de Justiça do MPRN e membro da Academia Norte-riograndense de Letras No ônibus que viajava de Roma para Florença só havia brasileiros.

Ivan Maciel de Andrade- Procurador de Justiça do MPRN e membro da Academia Norte-riograndense de Letras
No ônibus que viajava de Roma para Florença só havia brasileiros. O ônibus desenvolvia baixa velocidade e parava, de vez em quando, em alguma lanchonete de posto de gasolina ou de pequenas cidades. Através de conversas e bisbilhotices, foram sendo confidenciadas informações de uns sobre os outros de tal forma que dentro de pouco tempo todos nós sabíamos o essencial acerca de cada um: a idade, o estado civil, o lugar de origem.
Para fazer o tempo passar, utilizou-se um microfone em que cantores improvisados se revezavam com grande entusiasmo e nenhuma autocrítica. Em determinado momento, quando já estávamos cheios dos cantores dasafinados, um médico pernambucano de pouco mais de quarenta anos se aproximou do microfone e perguntou se era válido contar uma história. Surgiu a pergunta em coro: “Que tipo de história?”. O médico respondeu que seria uma história de amor. Aí procuraram saber se era triste ou se tinha final feliz. Ele disse que não valia a pena antecipar o final da história, senão perdia a graça...
Contou, então, que, ao terminar o curso de Medicina, em Recife, era noivo de uma colega de turma que tinha sido sua amiga de infância. O casamento estava acertado desde quando começaram a namorar, ainda muito jovens. Já se sentiam, adolescentes, como se fossem casados. Levavam uma vida de marido e mulher. As famílias dos dois sabiam disso. E aceitavam com naturalidade, pois só faltava, afinal, a formalidade do casamento. Ele resolvera fazer residência médica em São Paulo, uma vez que sua família tinha boas condições financeiras. Ela, de família muito humilde, faria a residência em Recife mesmo.
O médico foi para São Paulo. Lá conheceu uma colega que fazia com ele residência e com quem convivia diariamente – na Escola de Medicina onde estudavam, nos hospitais em que trabalhavam e nos cinemas e bares que frequentavam nas horas de lazer. Para simplificar, tornaram-se amantes.
O narrador disse que descobriu de repente que nunca amara antes. O que sentia pela noiva era apenas estima, amizade, admiração por seu caráter e por sua força de vontade em formar-se enfrentando as piores dificuldades. Amar, mesmo, amava a jovem de São Paulo com quem começara a viver num mesmo apartamento. Não conseguiam se separar. Tanto assim que arranjaram um jeito de trabalhar nos mesmos hospitais e nos mesmos horários, cursando idêntica especialidade médica.
Resolveu acabar o noivado com a moça do Recife. Mas cadê coragem? Pensou em falar pessoalmente com ela, mas sentiu o peso dos anos de convivência, as qualidades morais da moça, seus compromissos com a família dela, a que se integrara como se fora uma extensão de sua própria família.
Decidiu esperar o fim da residência médica, quando, então, voltou para Recife, prometendo retornar, sem muita demora, para São Paulo. No Recife perdeu a coragem e teve de renunciar covardemente... ao seu grande amor, que era a moça que deixara chorando no aeroporto de São Paulo.
Todos ansiosos perguntaram: o que aconteceu em seguida? O médico se casara com a noiva do Recife. Depois de algum tempo, se separaram. Voltara, então, para São Paulo pensando em reencontrar-se com a moça que ainda continuava a amar. Mas ela casara e se sentia muito feliz no casamento — conforme lhe dissera, sem ressentimento nenhum…

Os passageiros se entreolharam, então, silenciosos...