TERAPEUTA DE MIM
José Olavo Ribeiro – Bacharel em Administração Os ventos frios do inverno pediam cobertor.

José Olavo Ribeiro - Bacharel em Administração
Os ventos frios do inverno pediam cobertor. A rede balançava devagar. Vendo o mar batendo suas ondas, agarrei-me aos pensamentos e viajei para minha infância.
A vida caminhava a passos lentos. Acordava cedo para tomar leite do peito da vaca no curral a passos da minha casa. Minutos depois surgiam os amigos da vizinhança e o açude de seu Antônio nos esperava para longos banhos. O trajeto era cercado de goiabas, cajus, que devorávamos pelo caminho. E a manhã findava.

No começo da tarde, sol a pino, a escola abrigava a todos.
Tardinha chegando, volta pra casa. Só despejar os livros sobre a cadeira da sala, vestir o calção e correr atrás da bola de borracha no nosso campo de futebol, a rua principal e quase única daquela pequena cidade.

Luzes acesas, papai gritando para jantar. Banho, comida e volta ao palco, dessa vez para brincar de “bandeirinha”, encerrando a noite com estórias contadas pelo mais velho do grupo, que ouvia novelas de mocinhos no rádio.
O avião barulhento me traz de volta. A rede parou.
Hoje tenho filhos na minha idade naqueles tempos. Acordam apressados, tomam café dedilhando o celular. Correm para o carro. O trajeto até o colégio parece não ter fim, engarrafados no trânsito. À tarde o computador afasta-os do mundo real. Jogos e mais jogos na telinha. Notificações do zap passam notícias falsas, banalizam fatos, confundem e perturbam.

Na volta do trabalho, a noite e o cansaço me acompanham. Sem chance de interagir com as crianças.
Fim de semana, tempo para resolver pendências. O lazer encaixado às pressas dá à família um pouco de refresco.
A roda gira, a ansiedade vem morar conosco. Ela traz estresse, desequilíbrios no corpo e na mente. É a vida moderna.
O vizinho me fala do seu psicólogo. Reluto.
Tranco a porta do quarto, luzes apagadas. Imersão. Momento da minha análise. A rota precisa de correção. Periodicamente.
Sou terapeuta de mim.
OBS. Essa crônica foi premiada no Concurso Literário Bancários (agosto/2023)
Bela crônica!
Uma crônica muito bonita e sensível!
Muito boa crônica, quem do interior não tem muita coisa em comum?
A bola de borracha me volta ao passado, com a pelota no pé descalço e com os dedos arrebentados. O bom era também com a bola de meia. O leitinho quentinho tirado do peito da vaca. Era Bom demais. Açude,frutas. Coisa nossa. Ah! Como temos algo em comum. Valeu!!!!