SOBRE LIVROS E O PRAZER DA LEITURA
Nilo EMERENCIANO – Arquiteto e Escritor Alguns livros são marcos divisórios na vida de quem, como eu, percorre o caminho prazeroso da literatura.
Nilo EMERENCIANO - Arquiteto e Escritor
Alguns livros são marcos divisórios na vida de quem, como eu, percorre o caminho prazeroso da literatura. Grande Sertão: Veredas (1956) com certeza é um desses livros. Penetrar no universo de Guimarães Rosa (1908-1967) é experiência inesquecível em todos os aspectos, a história, a linguagem, os subtextos, a dramaticidade.
Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953), também nos atinge como um soco no queixo. A família de Fabiano percorrendo a rota de fuga das secas comove, incomoda, enraivece. De Jorge Amado (1912-2001) deixo para os outros Gabriela, Tieta, Dona Flor e fico com Mar Morto (1936), onde o talento do baiano se espraia pelas ladeiras e cais de Salvador, na companhia de pescadores em seus saveiros,
Quem nunca leu Os Sertões (1902), do trágico Euclides da Cunha (1866-1909) não sabe o que está perdendo. É leitura obrigatória, e, me arrisco a dizer, uma das obras mais importantes da literatura universal. E, claro, não podia deixar de fora o velho Machado de Assis (1839-1908), criador do incrível personagem de Capitu, a mulher dos olhos de ressaca e seu caráter dúbio, presentes em Dom Casmurro (1899). Fogo Morto (1943), do paraibano José Lins do Rego (1901- 1957), também tem lugar obrigatório nas prateleiras de qualquer estante que se preze. Mas há outras experiências fundamentais.
Fui apresentado ao escritor mexicano Juan Rulfo (1917-1986) pelo poeta Volonté. Por esse tempo ele trabalhava na Livraria Universitária, ali na Av. Rio Branco. A Universitária ostentava como dístico um trecho de poema de Castro Alves, O Livro e a América:
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
Olivro caindo n’alma
É germe – que faz a palma
É chuva – que faz o mar.
A livraria funcionava como ponto de encontro da turma. A gente ia ver os novos lançamentos, folhear e passar olhos cobiçosos nas obras pois afinal a grana era curta e apenas a vontade era larga. Volonté era antenado e sabia o que havia de bom. Colocou o livro Pedro Páramo e O Planalto em Chamas em minhas mãos. - Leve. Você não vai se arrepender. Contei o que restava do meu dinheirinho minguado, respirei
fundo e comprei, desconfiado.
Devo esse favor a Volonté. O livro consta de uma novela, Pedro Páramo, e dezesseis contos reunidos sob o título de O Planalto em Chamas (não, não é o que estão pensando). Para mim foi uma descoberta fascinante. Me atrevo a afirmar que é uma das melhores coisas que li. Merece, sem favor algum, ser intitulado de obra prima. A prosa de Juan Rulfo (1917-1986) é seca e afiada como um punhal e criativa como poucos conseguiram. Ele nos envolve em uma atmosfera meio mágica, meio surreal, para narrar a história de Pedro Páramo, fazendeiro rico e poderoso que aos poucos definha, tal como a cidade de Comala, perdida em algum lugar do México.
As várias vozes das pessoas da cidade que contam a história, descobre-se depois, são vozes de pessoas mortas, fantasmas que povoam todo o relato. De quebra, ao contar a história do homem e da cidade, Juan Rulfo traça um painel pungente da América Latina e do México, sempre um cenário de miséria, corrupção e violência política.
Os contos, por sua vez, têm uma carga dramática poderosa. Se você é fã de coisas doces, vergéis floridos e pássaros canoros, desista. Essa não é, definitivamente, a praia de Juan Rulfo. As histórias todas tratam da vida dura da população do campo, abandonadas pela sorte e pelos homens. Tragédias, dramas, lutas, desesperança.
Se tivesse que eleger alguma delas eu apontaria A Herança de Matilde Arcangel, que trata de vingança e do conflito entre pai e filho. Ou Você não Escuta os Cães Latirem. Ou mesmo a história pungente de um pai, que diante do quadro de miséria em que vive, vê os peitos da filha que entra na adolescência crescerem aos poucos para a sua perdição em É que Somos Muito Pobres.
Simplesmente genial.
Porque falo nisso agora? É porque foi lançado um filme, Pedro Páramo, em setembro, no streaming. Que bom, pensei. Finalmente alguma coisa boa nas telas. Ainda não vi, mas só o fato de se terem decidido filmar uma obra dessa dimensão me alegra e enche de expectativas. Não suporto mais Mulher Maravilha, Capitão América, Thor, Homem Aranha e outros menos votados. Mas há quem goste, fazer o que?
Além disso também já está nas telas Cem Anos de Solidão (1967), de Gabriel Garcia Marques. O livro foi outra paulada na minha cabeça de adolescente. Como expressar? Magnífico, seria uma boa tentativa. Macondo e o Coronel Aureliano Buendia, aquele das revoluções perdidas, só poderia sair da cabeça de um latino.
Eita, como é bom falar de literatura. Nada como visitar sebos, ou mesmo baixar em PDF aqueles que preferimos e as novidades. Será que ler é um hábito em extinção? Não sei. Um dia desses uma aluna, na primeira aula, quando eu falava da necessidade da leitura, me disse, cândida: - Professor, eu amo livros, mas não leio nada. Eu, que não perco uma piada, respondi: - Então é amor platônico, minha amiga?
Pois é. Livrarias fecham, a gente ouve todos os dias. Não vamos deixar que isso aconteça. Compremos livros sempre. Não há investimento melhor, acreditem. Livros na veia, é uma boa recomendação.