Se as cadeiras do meu quintal falassem
Bruna Torres – Jornalista e escritora Se as cadeiras do meu quintal falassem, elas teriam muitas histórias para contar e iriam economizar muito na terapia (ou talvez, não).

Bruna Torres - Jornalista e escritora
Se as cadeiras do meu quintal falassem, elas teriam muitas histórias para contar e iriam economizar muito na terapia (ou talvez, não).
Lá, entre poucas estrelas no céu azul-cobalto, uma teia ancestral de questões familiares muito se atrelam a uma constelação de palavras, que às vezes ficam aprisionadas entre as gerações.
Nessas conversas com a minha mãe, aprendi muito. Hoje, me apresentando como mãe, compreendo a faceta do 'outro lado da moeda' que muitos filhos não se dispõem a pensar. Os pais também são filhos de alguém. Seus pais também têm raízes intrínsecas de sofrimentos em vários segmentos. Mas, isso não os isenta do que perpassa e respinga em seus descendentes.
Quando criança, já fui a menina que as pessoas tentavam qualificar o amor materno em prol de suas próprias questões e frustrações internas. Pessoas essas, que trabalham duro para que as filhas tenham uma cama quente e uma geladeira farta, mas que jamais poderiam imaginar o quanto suas palavras dolorosas impactam na vida de outras pessoas.
No meu caso, na minha. Eu as senti na pele. Senti quando me disseram que eu não cuidava da minha filha porque ela estudava em tempo integral. A intenção era só me ferir e naquele momento, conseguiram. Não por ser verdade, cuido da minha filha todos os dias, desde quando ela abre os olhos até quando vai dormir.
O zelo é feito dentro e fora de casa. Quantas vezes pela manhã, saio com duas bolsas nas costas, empurrando um carrinho ou até mesmo, com ela nos braços? São inúmeros momentos que colecionamos desde a hora que acordamos até o fim da noite. Às vezes já cheguei em casa tão exausta do trabalho mas, tudo que ela queria era colo ou brincar um pouco mais.

E por diversas vezes, eu fiz cama compartilhada para dormir ao seu lado, pensando no privilégio que é a dádiva de sua vida, um presente misericordioso de Deus na minha.
Quando essa frase - "que eu não cuidava da minha filha porque ela estudava em tempo integral" me atingiu, percebi o quão filha da puta a sociedade é... Nos julgam por ter um casamento de merda e sustentar por causa de filho. Nos julgam como vagabundas por serem mães solos, nos chamam de puta se nos casamos de novo e tentamos construir uma nova vida. A sociedade nunca está satisfeita até destruir nossa saúde mental e consequentemente com nossas vidas.
Sob essa perspectiva, retornando ao fato, eu chorei como uma criança pequena no auge da birra, mas a minha sensação era colossal e tentava me dilacerar. A culpa materna. De não estar presente o suficiente, de ouvir aquelas vozes de quem não sabe a realidade, dentro da minha casa, quando deixou de ser o meu lar.
Naqueles momentos, me senti no papel de filha e de mãe. Senti na pele o árduo trabalho, das noites mal dormidas de minha mãe, para me dar tudo de bom e do melhor. Enquanto isso, pessoas que não faziam metade dos esforços dela ou não compreendiam suas vivências, faziam sua pequena garotinha de cabelo loiros e olhos verdes, não se sentir amada.
Hoje, eu já não escuto mais aquelas vozes. Que se fodam elas, frustradas com uma vida que almejavam e que, jamais poderiam ter sequer coragem para tal. A maternidade me fez enxergar inúmeros pontos de vista que, antes, eu sequer imaginava. Também me traz inúmeros desafios e confronto com a minha criança interior, onde hoje crio uma linda menininha, loirinha, de olhos verdes e muitos gracejos.
Não seremos crianças para sempre, mas a infância é a base da nossa vida. Com 29 anos, ainda vejo crianças internas que não amadureçam, lidando com problemas que jamais irão envelhecer.
Entre um céu azul-cobalto e conversas que se rebelam contra o tempo, além das amarras das limitações emocionais de uma geração que tanto tem a dizer sobre a vida do outro, mas pouco sobre si, venho aprendendo como não deixar que as minhas raízes me fortalecem, embora suas ramificações já não me aprisionem mais.
