SABEDORIA POPULAR: DITADOS E REFLEXÕES
NADJA LIRA – JORNALISTA • PEDAGOGA • FILÓSOFA As pessoas mais experientes costumam dizer, que a sabedoria popular, transmitidos de geração em geração, é o reflexo das experiências vividas ao longo do tempo.

NADJA LIRA – JORNALISTA • PEDAGOGA • FILÓSOFA
As pessoas mais experientes costumam dizer, que a sabedoria popular, transmitidos de geração em geração, é o reflexo das experiências vividas ao longo do tempo. Os ditados populares, sempre recheados de um fundo de verdade, são como pequenos faróis na escuridão, iluminando os caminhos da vida com simplicidade e profundidade. Quem não conhece algum destes ditados que parece ser a síntese de uma grande lição? Como o célebre “devagar se vai ao longe”, que parece se resumir a um ensinamento milenar sobre a paciência e a perseverança.
Quando paramos para refletir mais profundamente sobre esses provérbios de cunho filosóficos, nos deparamos com um interessante paradoxo: ao mesmo tempo em que eles servem como orientações práticas, muitas vezes nos fazem questionar até que ponto são, de fato, universais. Afinal, para cada “Deus ajuda a quem cedo madruga”, também há quem diga que “quem espera sempre alcança”, como se a manhã não fosse o momento adequado para todos, e o tempo fosse igualmente sábio para quem o vive sem pressa.
Quando ouvimos, por exemplo, o ditado “a um cão danado, todos a ele” - a princípio, ele pode ser interpretado como uma advertência sobre o comportamento, sugerindo que aqueles que agem de maneira indesejada atraem a atenção e o julgamento dos outros. No entanto, refletindo mais profundamente, podemos pensar que esse ditado, em sua essência, fala mais sobre a nossa natureza humana de julgar rapidamente, de etiquetar sem entender as razões por trás do comportamento.
O “cão danado”, nesse caso, pode ser qualquer um de nós que, em determinado momento da vida, se vê tomado por frustrações, ansiedades ou traumas. Quem nunca teve um momento de “rebeldia” que o tornasse alvo da crítica alheia? Somos todos cães danados em algum instante, e os outros, talvez sem perceber, apenas reafirmam sua própria incapacidade de olhar com empatia para as nossas fraquezas momentâneas.
Então, como podemos realmente aplicar esse conhecimento de maneira que não seja um simples eco de repetição sem reflexão? Para começar, devemos nos lembrar que os ditados populares não têm um caráter de verdade absoluta. Eles são mais como metáforas que tentam dar conta da complexidade das relações humanas.
A questão central é a reflexão que surge depois da escuta, do questionamento do que cada provérbio implica. Quando falamos de “quem dá aos pobres empresta a Deus”, estamos abordando, de certo modo, uma filosofia da generosidade. Mas será que essa generosidade é verdadeira se for movida pela expectativa de um retorno divino? O ato de doar é uma manifestação de altruísmo ou uma forma disfarçada de transação? Esse questionamento nos leva a um dilema ético: o doador deve esperar algo em troca, ou a verdadeira caridade está em fazer o bem sem interesse algum?

Não se trata, portanto, de desconsiderar os ditados populares, mas sim de buscarmos ir além de suas primeiras camadas de significados. A Filosofia, por exemplo, já se debruçou sobre a vida prática por meio de máximas semelhantes. Os estoicos, por exemplo, diziam que “devemos aprender a viver de acordo com a natureza”. Algo similar poderia ser dito sobre o famoso “devagar se vai ao longe”, no sentido de que a paciência e a moderação são virtudes essenciais para uma vida em harmonia com o que é essencial. Mas a questão central está no ritmo. Há momentos em que o progresso exige pressa, e há outros em que é necessário parar e contemplar.
Assim, os ditados, em sua função de condensar sabedoria, acabam nos convidando a uma reflexão contínua sobre a dialética entre o que é prático e o que é filosófico. Muitas vezes, as respostas mais simples são as mais difíceis de decifrar, porque o mundo é dinâmico e as situações, fluidas. Se cada um de nós aplicasse essas máximas sem um mínimo de análise crítica, caíramos na armadilha do conformismo. Afinal, o “quem cedo madruga” pode ser um estímulo positivo para quem precisa organizar sua vida, mas também pode ser uma pressão insustentável para quem, por questões naturais ou pessoais, precisa de mais descanso ou de outra abordagem no seu cotidiano.
A Filosofia, ao contrário, nos ensina que as verdades não são absolutas. “Devagar se vai ao longe” pode ser reconfortante para aqueles que acreditam que o caminho longo vale mais que a rapidez. Mas e para quem se encontra em um ciclo que exige urgência, transformação rápida? A busca pela verdade, então, deve ser flexível, como o rio que não segue apenas um leito, mas se adapta ao terreno que encontra pela frente.

E aqui, na minha visão, está o ponto mais fascinante: a sabedoria popular, com sua simplicidade encantadora, jamais deve ser um fim, mas um ponto de partida para a reflexão mais filosófica e mais profunda. Ela nos impulsiona a pensar, a questionar, a transformar uma verdade aparentemente evidente em um campo fértil de ideias que se entrelaçam. O ditado popular, nesse sentido, é a filosofia na sua forma mais pura, mais acessível e, paradoxalmente, mais cheia de camadas de significados. Ao darmos atenção a ele, podemos não só enriquecer nossos discursos, mas também nossas vidas.

Excelente!!!