RITA LEE, OUTRA VEZ
NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor Meninos, vocês leram a segunda autobiografia da tia Rita Lee, a roqueira de todos nós que viajou dia desses? Relutei em encarar a leitura, porque imaginei algo triste, um relato aflito de últimos dias, hospitais e coisa e tal.
NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor
Meninos, vocês leram a segunda autobiografia da tia Rita Lee, a roqueira de todos nós que viajou dia desses? Relutei em encarar a leitura, porque imaginei algo triste, um relato aflito de últimos dias, hospitais e coisa e tal.
Pensei que ia ficar deprê, tanto que gostava da ruiva elétrica. Mas qual, como diziam antigamente. Não seria Rita Lee se o relato caminhasse por essa trilha óbvia e banal, mas apropriado para a sessão da tarde.
Algumas coisas a gente percebe de cara ao iniciar a leitura, mas Rita aborda quase tudo como se não fosse algo importante, mero coadjuvantes no seu relato.
O câncer, assim, com todas as letras, duro, cruel, mortal. Na sua primeira autobiografia Rita conta sua vida, carreira, família, relacionamento com os Mutantes, os baianos, a prisão, os problemas com as autoridades, drogas e o álcool, seus amores, sua paixão por Roberto Carvalho. As vaciladas. As vitórias, sempre.
Desta vez, porém, ela vai falar de como descobriu, frente a fragilidade do corpo, a importância das coisas pequenas, corriqueiras. O prazer do banho, o contato com gatos e cachorros, a presença amorosa da família, as lembranças. Eita, mulher corajosa a Rita! Fala da morte, essa indesejada das gentes, de forma natural e até com alguma curiosidade, sempre fazendo do limão, primorosas limonadas.
Fala também da velhice, da luta contra a vontade de fumar, do corpo magro, murcho, da alegria ao descobrir que ganhou um quilinho a mais. Revela sua ligação com as buscas do transcendente, e aí deixa transparecer um mix de conhecimentos espiritualistas, a ligação com a mãe terra, gaia, com plantas e tudo mais.
E então, que bom, descreve uma experiência de desdobramento, de projeção do consciente, como diriam alguns, uma viagem fora do debilitado corpo físico. E de como aquilo tudo foi agradável ao fazê-la sentir a sensação de paz absoluta.
Há um momento quase dramático (quase porque Rita Lee nunca dramatiza a coisa) em que ela fala da sua possível opção pela eutanásia, seu desejo de morrer de forma limpa, se poupando de todas aquelas etapas tipo quimioterapia, radioterapia, imunoterapia, sessões e mais sessões e idas ao hospital. “Que me deixassem fazer uma passagem digna, sem dor, rápida e consciente; queria estar atenta para logo
recomeçar meu caminho em outra dimensão. Sou totalmente favorável à eutanásia. Morrer com dignidade é preciso." Mas é um pensamento rápido, porque a força do grupo familiar lhe injeta confiança e coragem.
Pelos títulos dos capítulos dá pra perceber a “viber" que prevalece ao longo do relato. O tratamento, A velhice, A alta, A radioterapia, A quimio, A enfermeira, A careca, A cadeira de rodas, A carboplatina. Por aí.
Sobre a velhice, ela faz algumas reflexões importantes. “Trocamos a pele de cobra e em vez de rejuvenescer por fora renascemos por dentro, ficamos mais atentos, mais próximos da morte, e isso nos faz questionar e buscar informações que só agora parecem fazer mais sentido.” Ou então: “Ficar velho é um sentimento de missão cumprida e comprida. Sei que estou mais perto da morte do que jamais estive, mas não sinto meu coração apertar de medo, e sim que vou deixar meu corpo físico e partir para o desconhecido do qual também não tenho medo.”
Bazófia? Tenho certeza que não. Rita não precisava disso. Há momentos em que ela fala da ligação com Elza Soares, para quem compõe uma música chamada Rainha Africana. Noutro, fala da amizade com Gal Costa, das trocas de figurinhas, dos momentos em que estiveram juntas. Para Gal, Rita compôs Me
Recuso (disco Caras e Bocas, 1977). Ambas, Elza e Gal, se encantaram antes da amiga que continuou sua resistência bem-humorada.
Enfim, acho que já fiz bastante spoiler por hoje. Se bem que o final da história todos sabem, claro. Apesar disso, recomendo a leitura. Temos muito a aprender com titia Rita e o que ela deixou para nós. É isso, mesmo ela não tenha tentado, no livro, ser profunda ou filosofar sobre isso ou aquilo.
Apenas em um momento ela se dirige aos jovens como gostaria de lhes falar: “Queria dar beijinhos e carinhos sem ter fim nessa moçada e dizer a ela que a barra é pesada mesmo, mas que a juventude está a seu favor e, de repente, a maré de tempestade muda, fazendo o barquinho seguir até sua ilha deserta e ensolarada de amor.
Diria também para não planejarem nada a tão longo prazo, que a frustração pode assombrar; o que não significa não ter sonhos, apenas que eles não caem do céu. Diria também um monte de clichê: que vale a pena estudar mais, pesquisar mais, ler mais.
Diria que não é sinal de saúde estar bem- adaptado a uma sociedade doente, que o que é normal para uma aranha é o caos para uma mosca, que uma coroa não é nada além de um chapéu que deixa entrar
água, que todo dia o mundo se afoga no caos e vai ser difícil achar um lugar para observar o fim dos tempos de camarote.”
Falar mais o quê depois disso? Apenas que a tia Rita Lee tem o meu endosso total e absoluto.
Até que em fim, encontro alguém, que pensou como eu penso à respeito dessa pra outra.sem medo, sem neurose, que seja bem natural. A morte é simplesmente uma viagem do Espírito, da alma. Uma repetição, de uma viagem ao planeta terra. Não sei o destino da que se aproxima, só sei que está próxima. E que seja como eu gostaria, que Deus me concedesse, do jeito que almejo.Tranquila e rápida. Tenho que viajar.A mala está pronta, A mala pra quem não sabe! É o mine computador coitadinho de tudo, que fizemos de bom e de ruim. Essa maleta é que levamos, pra na hora do acerto de contas. Deus nos dá um cartão de crédito, gaste como quizer.So tem um porém. Temos de pagar a fatura. Esse cartão de crédito, tem um nome: (Livre Arbítrio)