Procura-se pessoa desaparecida. E também o bom senso dos internautas!
Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor Nos últimos meses um surto de postagens sobre pessoas desaparecidas invadiu o Facebook.

Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor
Nos últimos meses um surto de postagens sobre pessoas desaparecidas invadiu o Facebook. Bastava eu abrir a rede do, agora, extremista Mark Zuckerberg e lá estavam amigos e amigas compartilhando imagens e informações de homens, mulheres e, principalmente, adolescentes e crianças desaparecidas. O que é um problema social e criminal grave, já que o Brasil é um dos países do mundo com maiores índices de pessoas que desaparecem.
Mas para além do problema em si das pessoas desaparecidas e da necessidade de encontrá-las, há um outro problema, este com os internautas. A princípio, a boa intenção do pessoal é visível e clara: ajudar na busca de pessoas que sumiram, com informações sobre o local onde foram vistas pela última vez e contatos dos familiares.

Mas vamos aos fatos e idiossincrasias dessas boas ações. Parte considerável das postagens é de anos atrás, muitas delas de 2020 e 2021, ou seja, quase meia década. São pessoas que possivelmente já foram encontradas e hoje seguem a sua vida ou, desgraçadamente, encontradas mortas, mas já sepultadas por parentes que também seguiram sua vida. Chega a ser desrespeito com os parentes divulgar algo assim sem sequer olhar a data do desaparecimento e da postagem original.
Outra questão que me incomoda é a imprecisão de informações. Algumas postagens são atuais ou pelo menos recentes e envolvem pessoas de lugares próximos, mas não informam o bairro e mesmo a cidade onde a pessoa está desaparecida e indicam apenas um contato que pelo DDD conseguimos saber se é Rio Grande do Norte (84), Pernambuco (81) ou lugar bem mais distante da pessoa que postou (São Paulo e seu famigerado 11, por exemplo).
A própria questão geográfica me perturba. Não entendo, por exemplo, porque alguém que mora em Macaíba, na Região Metropolitana de Natal, e tenha maioria de amigos da cidade e do Estado, acredita que vai ajudar tanto assim divulgando sobre uma jovem que desapareceu em Campo Mourão, no interior do Paraná. Como eu disse no início, a intenção é boa, mas os efeitos práticos geralmente são zero.

Mas pode ser tudo pior, claro, em se tratando de redes sociais. Dia desses um amigo querido mas inocente em se tratando de redes, postou sobre uma adolescente desaparecida no interior do Ceará e que a família estava desesperada e passando um número sem DDD.
Mas na verdade cismei que o rosto da jovem não me era estranho e além disso ela não parecia ter o fenótipo de uma cearense. Salvei a foto e joguei na pesquisa do Google imagens e descobri que se trata de uma atriz indiana que faz papéis de médio destaque em musicais de Bollywood.
Ou seja, uma pegadinha da internet. Que o amigo caiu e repassou para uma ruma de gente procurar ou se penalizar sobre a moça que não está desaparecida e está gravando algum novo filme enquanto isso.
Já escrevi aqui sobre a preocupante inocência de usuários de Facebook, entre os 50 e 70 anos, justamente a geração que cresceu sem redes sociais e teve de se acostumar a elas. Grande parte desse pessoal, ainda que tenha formação, doutorado, com bagagem cultural, viagens, tende a acreditar em tudo que é divulgado no Facebook e nas demais redes sociais, assim como nos famigerados grupos de Zap (uma das maiores mazelas da humanidade na minha opinião).
Recordo que dias atrás, entre uma postagem de pessoa desaparecida e outra, alguns amigos compartilharam a imagem de um professor de Química que lutava contra um câncer e pedia uma corrente de oração para ele. Não é minha praia, mas eu poderia achar a iniciativa piedosa e solidária não fosse a foto do doente: o ator Bryan Cranston no papel de Walter, o protagonista da premiada série de tv “Breaking Bed”, que efetivamente fala de um professor que luta contra um câncer, mas na ficção, evidentemente.

Não consegui deixar de achar graça imaginando a corrente de orações por um personagens televisivo de uma série que já chegou ao fim há anos. Mas me preocupa também. Essa ingenuidade pode ser usada para fins políticos e comerciais, como já vem acontecendo. Sim, precisamos procurar pessoas desaparecidas, mas deixemos isso a cargo da polícia. A hora é de procurar bom senso para usarmos as redes sociais.
