Primeira Noite de Natal fora de Mipibu; uma melancolia profunda
Em 23 setembro de 1970, deixo minha terra natal São José de Mipibu fixando residência no Rio de Janeiro/RJ, que só conhecia a Cidade Maravilhosa à passeio.

Em 23 setembro de 1970, deixo minha terra natal São José de Mipibu fixando residência no Rio de Janeiro/RJ, que só conhecia a Cidade Maravilhosa à passeio. Após dar baixa do Serviço Militar, fui estudar na Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN), em Natal, onde cheguei a fazer o Curso Técnico de Mineração.
Sem condição financeira para continuar o curso e não aceitando ajuda do meu irmão, o saudoso Hélio Cavalcanti, a custear as despesas, fiquei como um "peixe fora d'água" (quer dizer que você não se sente à vontade). Como todo jovem orgulhoso, jamais admitia ser dependente de ninguém, nunca aceitaria essa ajuda de meu irmão. Fiquei em casa pensando uma maneira de arranjar um trabalho para poder me manter, já que era "dono de meu nariz", por ter mais de 18 anos de idade.
Genival, irmão do meu cunhado Lourival ("do Teteu"), me procurou para uma conversa. Me perguntou como estava a minha situação pessoal. Perguntou: - Você quer ir tentar a vida no Rio de Janeiro? Prontamente aceitei. Arrumei a mala e no dia seguinte aguardei o ônibus da empresa Aparecida, com destino ao Rio de Janeiro. Lá fomos nós.
Como já conhecia toda a família de Genival, a adaptação foi rápida. Fui recebido como um membro da família. Fiquei num imóvel que havia no mesmo terreno de sua residência. Tão logo cheguei, fui em busca de um trabalho. Gastei solado de sapato, por vários dias e nada de emprego. Finalmente, um dia recebi o grato convite para fazer um exame de seleção nas Empresas Bloks Editores (extinta Rede Manchete). Fui aprovado e imediatamente iniciei meu trabalho na empresa.
Chega o mês de dezembro, a cidade se transforma. Enfeites nas ruas e nas loja. O som de músicas natalinas, o Papai Noel todo vestido de vermelho com sua barba branca, convidando as pessoas que passavam para entrar nas lojas... Era a magia do Natal.

A empresa que eu trabalhava promoveu uma festa de confraternização, na véspera do Natal. Comprei um roupa nova, muito bonita. Uma calça boca de sino, camisa de seda japonesa, sapato marrom de cavalo de aço, em moda da época. Me sentia alinhado para ir à festa natalina.
Como é costume, nesses regabofes (Festa em que se come e bebe fartamente) os participantes se mostravam felizes com o farto comes e bebes; trocas de presentes; amigo oculto e finalmente abraços e desejos de um Feliz Natal, ao final da festa.
À Noite de Natal, fica tudo fechado, bares, restaurantes... Festa do Natal se comemora em família, ou seja, uma festa familiar. Ainda todo "enfeitado com as roupas novas" peguei o busão retornei para a casa da família que me acolheu, no Rio de Janeiro. Cansado e desiludido, numa tristeza profunda, uma vontade louca de pegar o primeiro voou e voltar a minha querida São José de Mipibu.
Há muitas circunstâncias que podem tornar o Natal um momento triste e difícil. Mas, apesar das diferenças individuais, muitas pessoas se perguntam: “Por que estou triste no Natal?” É uma reação natural a diferentes situações pelas quais passamos. Eu nunca havia sentido uma tristeza tão grande.
Sai de casa e perambulei por várias ruas desertas. Como disse, anteriormente Natal é uma festa de família, ninguém nas ruas. E por ser uma data muito familiar, é possível que você se sinta sozinho por não ter aquela pessoa ao seu lado, lembrar de festas natalinas vividas, anteriormente.
Com os pés cansados de andar e os olhos vermelhos de chorar, sentei-me no banco da Praça Mahatma Gandhi, na Cinelândia do RJ. Já era tarde da noite, a beleza do Rio de Janeiro parecia um velório, nada me alegrava. Era minha primeira noite de Natal, fora de minha amada São José de Mipibu. Fiquei ali de cabeça baixa. A tristeza era profunda! Se fosse hoje iriam dizer que era "depressão".
Passava um filme na minha mente, com as lembrança das festas natalinas que vivi em São José de Mipibu: via as barracas cobertas de palhas de coqueiros, contornando a praça central, onde se vendia de muitas guloseimas; o parque de diversões do senhor Manoel Cachorro Quente, com as músicas ("Não se vá, cantada pela dupla Jane e Herondy); o vai e vem das pessoas e dos casais namorados, em torno da praça...


Vinha a lembrança do dia 31 de dezembro, com a cidade cheia de gente, vindas de várias cidades vizinhas. O baile na Associação Esportiva Mipibuense era motivo de encontro da juventude se divertir. Antes da meia noite, tinha o intervalo para que todos fossem assistir, o que chamávamos de "Passagem do Ano", antecipado com uma peça de fogos de artifício preparada pelo pirotécnico Senhor Lulu Davino. Em seguida, íamos assistiam a missa celebrada pelo saudoso Monsenhor Antonio Barros.

De repente se aproxima de mim uma linda cadela, portando uma coleira, como se tivesse fugido de uma residência. Brincou comigo, me lambendo e balançando o rabo, em sinal de alegria. Minha tristeza se dissipou rapidamente.
Percebi que ela estava com fome e sede. Fui a uma barraca nas proximidades, que vendia cachorro quente, comprei alguma coisa para a cadela comer. Consegui com o dono da barraca uma corda para colocar na guia.

Logo veio a preocupação: o que eu irei fazer com aquele animal? Saímos pelas ruas desertas até minha casa.
Seguimos rumo a Avenida Brasil, quando chegamos em frente a Rodoviária Novo Rio. Um proprietário de táxi clandestino, veio ao meu encontro oferecer seu serviço de transporte. Expliquei o caso da cadela e ele aceitou nos levar até Avenida Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Chegamos em casa, muito felizes, coloquei-a dentro de casa, fomos dormir. Ela dormiu tranquila o resto da noite.
De manhã, apresentei Nana, nome que 'batizei' a cadela (homenagem a uma tia, que morava na Rua do Cano (hoje, Sete de Setembro, em São José de Mipibu, da qual gostava muito), ao pessoa da casa. Foi uma alegria que contagiou a todo mundo. Um animal maravilhoso. A convivência foi excelente.
Tomar a decisão de trazer um animal para casa é um momento que costuma somar sentimentos de alegria ao de ansiedade. Há uma grande expectativa e mil perguntas vagueiam pela cabeça do adotante. Com o tempo, Nana foi minha companheira que reduziu a tristeza e solidão, na cidade grande. O animal parecia me entender. Saia para trabalhar e, ao retornar, ela já me esperava no portão de casa. Era uma alegria incontida.
Nossa convivência durou alguns meses. Ao amanhecer senti a falta por não aparecer para me acordar, como sempre fazia. Num canto do quarto percebi Nana imóvel. Ela estava inerte. Havia morrido (nunca descobri a causa da morte). Devo dizer a quem cria um animal doméstico, que a morte de um animal de estimação gera um grande impacto nas nossas emoções. Quem já perdeu um animal conhece muito bem os efeitos de uma partida de seu cão de estimação. É como perder alguém que amamos muito.

Fiquei triste, mais conformado por ter passado momentos felizes com aquele animal, que substituiu as tristeza que havia em mim. Nana deixou muitas saudades que até hoje nunca apagaram de minha memória.
Beleza! Muito grato.
LINDA E EMOCIONANTE HISTÓRIA!