Pra variar, estamos em guerra
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor A julgar pela produção de filmes de Hollywood no pós 2ª Guerra, a batalha foi ganha pelos americanos comandados por John Wayne, Gregory Peck e Ernest Borgnine.
Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
A julgar pela produção de filmes de Hollywood no pós 2ª Guerra, a batalha foi ganha pelos americanos comandados por John Wayne, Gregory Peck e Ernest Borgnine. E os alemães eram aqueles bananas que caiam como moscas sob os tiros dos heróis dos EUA. A guerra era apresentada como uma coisa charmosa.
Nos anos 1960 o conflito no Vietnã teve outro tipo de cobertura. Os tempos eram outros. As fotos dos jornais/TVs mostrando crianças nuas sob o fogo do napalm, além dos caixões com os mortos americanos retornando à pátria vindos de uma luta longe demais, incendiaram a união pública e o slogan “Faça amor, não faça a guerra” tomou as ruas das cidades.
Naqueles anos vi, em São Paulo, o filme-documentário de Peter Davis, Corações e Mentes (1974), talvez o maior libelo já feito contra a guerra. A ele se seguiram Platoon (Oliver Stone), Apocalipse Now (Copolla), Nascidos para Matar (Kubrick), sempre invertendo a ótica do heroísmo e bom mocismo.
Quem imaginou que em pleno século XXI, sob uma pandemia que assola o mundo inteiro, a Guerra Fria encerrada há décadas, os corações aparentemente pacificados e o risco de uma guerra nuclear impedindo arroubos belicistas, ainda fôssemos ver uma guerra em pleno continente europeu dito civilizado. Mais que guerra, uma agressão criminosa de um Golias impiedoso frente a um Davi que apenas esperneia e faz pose herói. Com todos os horrores que uma guerra sempre traz: destruição, mortes de adultos e crianças, viúvas, órfãos, mutilados, colunas de civis em fuga. Horror, horror, horror.
Já não se cantou o suficiente os horrores da guerra? Já esquecemos Dresden, Hiroshima, os campos de Auschwitz ou Dachau, Vietnã? O mundo até há pouco dividido por um muro vergonhoso. Ou mais recentemente a guerra nos Balcãs, Iraque, Paquistão, Iêmen. As cenas de refugiados em desespero superlotando frágeis embarcações não foram bastante? Ou esquecemos cedo demais o corpo de um garoto morto em uma praia sendo banhado pelas ondas?
Seja qual for o resultado desse conflito a grande vítima é a civilização, ou o processo civilizatório. Depois, claro, das perdas humanas. E sai vitoriosa a barbárie, a desumanidade, o mau, o retrocesso, o caos.
Há alguns que lambem os lábios, ansiosos, ao assistirem a destruição. São alguns dos antecipadamente vitoriosos apesar de não haverem pegado em armas. Pelo menos as convencionais. São os banqueiros internacionais que com certeza financiarão a reconstrução do país destruído; os empresários que terão enormes lucros ao recuperar pontes, estradas, infraestrutura, escolas, edifícios residenciais, hospitais; os comerciantes de armas que lucrarão fortunas para rearmar os exércitos dos dois lados. Esses não portam bandeiras e fecham os olhos para a tristeza das vítimas, mortas ou sobreviventes. Veem os cifrões, apenas. Não percebem que o vinho ou o uísque que bebem escorrem das feridas dos inocentes. Que seus iates navegam em mares de lágrimas. Que seus jatinhos voam nas asas da nossa perplexa omissão. Ou que seu luxo e conforto são roubados das filhas e filhos da guerra.
Nesse clima de estupor, fala-se em esquerda e direita, em nazismo e comunismo, quando o que queremos é paz e sabemos que o homem comum não tem a mínima ideia do que representa tudo isso. Paz para trabalhar, para cuidar da família e ir ao cinema aos domingos. Paz para viver.
Outra vitima dessa guerra é a imprensa (ou mídia como é tratada hoje). Paulo Francis dizia que um máximo de informação gera um máximo de confusão. É o que temos visto, infelizmente. Manipulação de notícias, de números, de imagens, além de censura e punição aos que insistem em tentar transmitir a verdade.
Não há vitoriosos em uma guerra. Todos perdem. O poeta John Donne (1572/ 1631), posto como epígrafe do livro Por Quem os Sinos Dobram, de Hemingway, escreveu: “A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. É isso.
Quando morre alguém, homens, mulheres, crianças, em qualquer parte do mundo, morre um pouco de nós, ou morremos todos. Ou não seríamos todos irmãos?
Há algo que podemos fazer: ajudar a criar uma cultura da paz. Os homens que ficam em nosso imaginário são os guerreiros. Davi, Alexandre, Júlio César, Napoleão, Caxias. E poucos falam dos pacíficos ou pacifistas. Não conheço uma Praça Gandhi, uma Avenida São Francisco, um logradouro Luther King ou Albert Schweitzer. Ou, ainda, uma simples Travessa Chico Xavier (há em Natal um Largo Allan Kardec escondido ali por trás do mercado de Petrópolis. Resta louvar a paz e dizer como dizia Belchior em suas canções: Enquanto houver voz eu canto.