POEMA INTERROMPIDO
Gilberto Costa – Poeta e servidor da Previdência Social Estou a rabiscar um poema quando a caneta escapole de minha mão.

Gilberto Costa - Poeta e servidor da Previdência Social
Estou a rabiscar um poema quando a caneta escapole de minha mão. Penso que tenha ocorrido uma distração da guardiã. Mas descubro que a esferográfica planejara uma fuga do presídio de cinco cômodos.
O ônibus está lotado, de modo que me faz permanecer estático enquanto ela se esconde. Espero algum delator me indicar onde se encontra a fugitiva. Ninguém se manifesta. Penso em como tê-la de volta. Penso até quase desistir quando a condução para e nela adentra um vendedor de água e guloseimas, uma combinação perfeita para estimular o consumo numa tarde calorenta.
O estímulo me faz lembrar que sinto sede. Peço uma garrafa com água. Antes de abri-la, vem-me a ideia de soltá-la por onde imagino ter escapulido a operária de palavras. Ao senti o impacto em seus pés, o passageiro na poltrona atrás de mim pergunta-me se a garrafa me pertence. Digo-lhe que sim e ato contínuo, interrogo-lhe sobre a existência de uma caneta no espaço de seu assento. Ele faz uma inspeção e a encontra. Alegria para mim, tristeza para ela. Presumo que não queira minha companhia nesse sábado.
Volto aos rabiscos. A caneta faz greve de tinta. Confirmam-se minhas suspeitas. Olho-a entre meus dedos. Sinto um aperto no coração. Abro a janela e a faço buscar outras mãos na tarde cálida do sertão.