Passeio à Ribeira do passado

setembro 26, 2021

Chagas Lopes – Editor do jornal ONDA ALTERNATIVA Revendo meus arquivos do jornal “ONDA ALTERNATIVA” do qual sou editor, deparei com um texto de Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in-memória) muito interessante.

Beco da Quarentema, atualmente -Foto: Sandro Furtado

Chagas Lopes - Editor do jornal ONDA ALTERNATIVA

Revendo meus arquivos do jornal “ONDA ALTERNATIVA” do qual sou editor, deparei com um texto de Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in-memória) muito interessante. O escrito, intitulado “Passeio noturno à Ribeira” trata com um saliente saudosismo, dos compassos flutuantes do velho bairro da Ribeira; suas histórias, seus contextos, suas acontecências.

O Cajá das Raparigas

Elísio Medeiros relata que o beco foi testemunha da vida boêmia da Ribeira. Ali, as risadas das mulheres da vida e dos boêmios deram lugar a um silente existir. As portas, antes abertas para a alegria dionisíaca, hoje estão serradas. O Beco “Onde os deuses desvairados do sexo barato faziam ali suas orgias” se transformou num lugar evitado por quem passa pelos arredores". E ainda arremata: “Todo este abandono, a um dos maiores sítios históricos de Natal, assistido, placidamente por um pé de cajá, que garantem, não foi plantado. Nasceu, espontaneamente, naquele local e, na safra, os seus frutos são disputados na Ribeira, conhecidos como os ‘Cajás das Raparigas".

Beco da Quarentena, na década de 40 - Foto: Evemundo

Já o jornalista e professor do curso de Comunicação Social da UFRN, Emanuel Barreto, num texto do seu livro “Crônicas para Natal”, registra o beco como o lugar onde

“bêbados desvalidos faziam suas farras de desespero”.

E os versos continuam...

“Na Ribeira há um caminho torto, feio, escuro. É a Travessa da Quarentena, onde, há muito, muito tempo, os deuses desvairados do sexo barato faziam ali suas orgias.

O Beco da Quarentena, como ficou na lembrança popular, é esse falido porão da cachaça barata e das mulheres de todos e de ninguém.

Ali, vez por outra, passantes cortam caminho, num atalho sem futuro. Ali, quem sabe, nas noites da velha Ribeira, fantasmas de bêbados e marias se juntam. E dançam sua dança de cachaça.”

Esses textos me fizeram voltar aos Idos de 1969, já passava do meio do ano quando tudo começava, uma fase das descobertas, a adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta as mudanças, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência começa aos 10 anos, bem antes do que os pais gostariam que fossem, no meu caso, estava com meus 15 anos, amadureci mais rapidamente do que possamos perceber.

Tatiane da Silva Santos, escritora descreveu: "O sexo é curiosidade para os adolescentes, banalidade para certos jovens, entrega para alguns adultos e tabu para muitos antigos". Aluno do colégio Padre Monte, com poucas amizades, e uma vida de adolescente peralta, tinha, apenas, 15 anos, quando ocorreu a minha abertura para a heterossexualidade e o começo de ter minha identidade sexual afirmada. Essa identidade é para consolidar.

Foto: Brechando

Como Elísio Medeiros relata:

A partir da metade do século XX, na verdade, o local se chama Travessa da Quarentena e é uma ruela de passagem entre as ruas Chile e Frei Miguelinho e se consolidou como um ponto de baixo meretrício, conhecido como o “Beco da Quarentena”. Fui com alguns amigos de escola conhecer e matar a curiosidade no “Beco da Quarentena”, que por décadas serviu como lugar de sexo barato, para os menos favorecidos e adolescentes sem recursos. Era o caminho para a iniciação sexual dos garotos, a pouco custo, mas fazê-los exercer a sexualidade sem responsabilidade. O escritor Charles Canela descreve: “O sexo não é a consequência do amor, é consequência do desejo, pois se assim fosse o mundo já seria inabitado”.

Com poucos recursos e desconhecedor da vida mundana, me atrevo a conhecer o “ Beco da Quarentena”, fui apresentado a Sra. Júlia Augusta de Medeiros, uma senhora de seus 70 e poucos anos, e um pouco gordinha, mas Augusto Cury nos traduz assim: “Toda beleza é imperfeitamente bela. Jamais deveria haver um padrão, pois toda beleza é exclusiva como um quadro de pintura, uma obra de arte”.

Júlia Augusta de Medeiros, seria 'Rocas-Quintas"? -Foto: potiguarte.blogspot.com.br

Conhecida como: Rocas Quintas – que nasceu 1896, na Fazenda Umari, em Caicó/RN. Era uma das mulheres pioneiras no jornalismo e na educação no Rio Grande do Norte, nos anos 20. Feminista, mulher de ideias avançadas, com participação destacada na vida pública e política do RN.

Há historiadores que refutam essa história. O jornalista natalense Manoel Pereira da Rocha Neto confirma. Já, de acordo com o carnavalesco Di Carlo, Rocas-Quintas, era uma mulher nascida no bairro de Mãe Luiza e com a qual ele conviveu. “Era uma mulher bem vistosa e se chamava Edite”.

Com uma história que convergem para pobreza, desemprego, formação precária, falta de oportunidades na vida. "vendia seu corpo por necessidade mesmo, não por safadeza". Já sua amiga que dividia o quarto, Andressa de Jesus, 54, foi levada ao “Beco” pelo aperto do orçamento. "Minha vida começou a afundar depois que comprei um carro. Perdi o emprego e não consegui mais pagar. 48 prestações de C$ 60.000,00. Não achava mais trabalho. A prostituição foi o que encontrei, faz seis meses que voltei".

A primeira vez dela foi no início do ano 1964, quando se viu viúva e com três filhos para criar. "Você acha que eu iria deixar eles passarem fome? Um dia eu estava sentada aqui no banco, um homem perguntou se eu queria sair com ele. Eu neguei. Mas ele insistiu muito e eu acabei aceitando. Não é fácil você ir para cama com um homem que nunca viu na vida", relatou.

Foto: Garimpo Potiguar

Um antigo frequentador das noites da Ribeira, relata “o cara dizia que, quando trepava lá, já vinha com uma dosagem de penicilina”, a miséria ali reinava, jamais a saúde pública, naquele beco passava, a polícia era constante, dava ronda a noite inteira, mas nunca evitou as brigas, vivendo de tal maneira que muitas mortes ali houveram, por causa de bebedeira. Pederastas, cafetinas, maconheiros afamados frequentavam o tal beco, sendo bastante estimados avistando com seus homens, com os quais eram amigados. Fotos: Internet

Uma resposta para “Passeio à Ribeira do passado”

  1. João Maria Silva bezerra disse:

    Poxa que história trabalhei 5 anos numa gráfica na esquina desse boco e não sabia dessa história tão completa assim só mim contavam pela metade agora sim sei o significado beco da quarentena