Para meu pai, que a ditadura tentou calar

Jana Sá – Jornalista da Agência Saiba Mais Hoje (30 de abril de 2025) você faria 75 anos.

Jana Sá - Jornalista da Agência Saiba Mais

Hoje (30 de abril de 2025) você faria 75 anos.

Se a ditadura não tivesse interrompido seus passos, talvez estivesse agora ao meu lado — penteando meus cabelos como fazia com tanto cuidado, me ouvindo falar sem parar sobre o mundo, me puxando para aquele abraço silencioso que sempre me dizia tudo.

Talvez estivesse com mainha na cozinha, dividindo o café, a luta e o afeto com o mesmo companheirismo de sempre. Vocês dois tinham um jeito bonito de caminhar juntos — como se o amor de vocês também fosse trincheira.

Talvez estivesse com Gilson, com aquele menino de 9 anos que você colocava nas costas e saía correndo pela casa, rindo alto. Ele ainda lembra disso, pai. E fala com os olhos brilhando, como quem segura no peito o que sobrou de um tempo que não volta mais.

Mas você não está.

E não porque a vida quis assim, como tentam dizer. Mas porque não foi acidente. Mataram você. Levaram sua presença física, sua risada, seu cheiro, seu colo. E deixaram em nós — em todos nós — uma ausência que nunca envelhece.

Desde os meus seis anos, tenho aprendido a lidar com esse vazio que é também memória. Porque sua ausência não é só minha. Ela é ausência de Estado, de justiça, de verdade plena. É a ausência que tantas filhas, filhos, netos, esposas, irmãos e companheiros carregam — cicatriz da barbárie.

E mesmo assim, mesmo com tudo isso, eu sigo te escrevendo. Porque, no fundo, nunca deixei de conversar contigo. Você foi ficando em mim de um jeito tão entranhado que às vezes esqueço que essa saudade não é imaginação — é ausência real, concreta, que me atravessa todos os dias.

Mas hoje… hoje eu só queria te abraçar. Queria que você visse a mulher que me tornei, o quanto sigo lutando por tudo aquilo que era teu sonho e teu motivo. Queria que soubesse que sua voz ecoa em mim quando me indigno, quando não aceito calar, quando digo com todas as letras: vocês tiraram a vida dele, mas não conseguiram silenciar sua história. Não tenho a sua paciência, mas herdei sua firmeza.

Neste 30 de abril, pai, eu sigo aqui, tentando transformar dor em sentido. Porque a tua ausência me ensinou que amar alguém que nos foi arrancado é também resistir. E eu resisto. Com ternura, com raiva, com fé, com lágrima… e com essa carta.

Te amo com a força do que não teve tempo, com a saudade do que não foi e com a certeza do que permanece.

Te amo pra sempre,
sua filha, Jana Sá

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