PAPO FIRME

fevereiro 9, 2025

NILO EMERENCIANO – Arquiteto e escritor Gosto muito da gíria, das palavras usadas nas ruas, nos bares, no trabalho.


NILO EMERENCIANO - Arquiteto e escritor


Gosto muito da gíria, das palavras usadas nas ruas, nos bares, no trabalho. Não imagino de onde surgem, mas sei que os subúrbios são a fonte de muitas dessas expressões. E surgem novas todos os dias o que nos faz rapidamente desatualizados, tá ligado?

Acho que a mais antiga de que me lembro era tipo uma interjeição: Olhospa! Servia pra quase tudo. Um bom prato – Olhospa! Mulher bonita – Olhospa! E por aí. E por falar em mulher bonita um amigo as chamava de jubaias. “ Veja, aquela morena: é uma jubaia”. Nunca perguntei de onde ele havia tirado aquilo e, portanto, até hoje não sei. No Aurélio consta como pousada, mas não acho que esse
era o sentido que o meu amigo pretendia.

As moças, à aproximação de um rapaz diziam, como forma de se insinuar, ai, da base! Essa é fácil. Deviam se referir aos marinheiros da Base Naval vestidos naquelas fardas brancas e a tapioca na cabeça. Se a pessoa se decepcionasse com algo logo alguém tascava: rasgou a boca. E a algum fato triste: é de cortar coração.

Minha mãe chamava coisas distantes, remotas, de baixa da égua, caixa prego. Ou caixa bozó. "Homem, vá pra caixa prego”. As coisas antigas eram como o Farol de Olinda. “Velhas como o farol de Olinda”.

Meu pai chamava quem o procurava para alguma coisa de “suplicante”. - Penha, atenda esse suplicante aí. Meu pai não gostava de dar explicações. Quando perguntavam o que era aquele pacote que ele conduzia respondia prestes: - É um perequeté. Uma roda de conversa ele chamava “relambório”. O que hoje as donas de casa denominam R.O, mamãe acostumou-nos a dizer “charivari”.

Minha tia Doralice tinha um rico vocabulário. Amigas falsas ela chamava caninana. Cachorro da moléstia, miserável infeliz das costas ocas, gota serena, eram aqueles que a desagradavam. Tropeçar era trupicar. Quebrar a cara era imaginar uma coisa e acontecer outra. Baitola era o mesmo que fresco, amulherado, ou seja, a turma LGBT da época em que não se falava em politicamente correto.

Aí surgiu a turma da Jovem Guarda e uma nova leva de gírias. É uma brasa, mora! Bicho, garota papo firme, papo furado. Roberto Carlos até hoje fala bicho. Carro passou a ser carango. Relógio ganhou o apelido de bobo, talvez porque trabalha de graça. Ir ao cinema era pegar uma tela. Depressão, hoje coisa tão comum, era fossa e ninguém via como algo ruim. - Bicho, estou numa fossa danada, a gata me largou. Barra limpa evoluiu e tornou-se limpeza, tá limpo. Descolado era alguém de boa cabeça. Ah, e tinha também o desbundado, alguém que entrou numa de drogas e abandonou o debate político. Era olhado com desprezo.

Ninguém fala mais hoje em dia “piniqueiras”. Não, não era lavadora de pinicos, mas talvez a expressão remeta a esses tempos porque eram as empregadas domésticas que vinham do interior e moravam no minúsculo quartinho de criadas. À noite iam circular (ou dar um bordejo) na praça Pedro Velho, onde se tornavam alvo dos mais ousados. Foram responsáveis pela iniciação sexual de boa parte da garotada desse tempo.

Hoje ninguém sabe o que é isso, mas “zona” era como a turma chamava a região que concentrava os cabarés da cidade. A maior incidência era no bairro da Ribeira, ali na Rua Almino Afonso e adjacências. As radiolas de ficha tocavam as roedeiras – hoje, sofrência - de Silvinho, Waldick Soriano e Núbia Lafayete.

Na esquina um homem vendia fatias de passarinha fritas. Na boate Magriffe soava um toque de saxofone que embelezava a noite. Maria Boa era no bairro da Cidade Alta, tinha outro patamar, com uma clientela mais seleta. As meninas eram chamadas de quengas, putas, raparigas, e as donas dos bordéis respeitosamente denominadas “madames”. Não que não existissem cabarés em outros locais da cidade, geralmente nos subúrbios mais afastados. Mosquito, em Igapó. Relêxo, no bairro das Rocas.

E para livrar a barra da rapaziada, o enfermeiro Cícero, ali na Felipe Camarão (ou seria Princesa Isabel?)
estava a postos com a seringa mágica. Ou vocês nunca ouviram falar em Benzetacil?

Pois é, essa rapaziada frequentava os bailes, hoje baladas, nos clubes ASSEN, América, ABC, Alecrim clube. Os mais populares eram chamados relabuchos, limpa-fivelas. Lá para as bandas onde hoje existe o viaduto de Ponta Negra, fui duas ou três vezes ao Forró do Jaburu, na rua da Palha. Um barraco de madeira dividido em duas partes. Uma das partes era o bar, onde a cachaça corria solta. Na outra rolava o
forró, com sanfoneiro e tudo.

Aos moldes das festas do interior, todos tinham que dançar. Não valia ficar encostado brechando. As damas eram partilhadas e a diversão era garantida. E não fiquem a imaginar besteiras. Naquele forró de verdade não dá pra insinuações. Era arrastar os pés naquele piso de cimento queimado e pronto. E se
Jaburu (uma figura), se metesse, levava uns safanões e se recolhia ao seu canto.

Quem não viveu, boiou. Foi pra Ribeira, perdeu a cadeira. Carecou e não imagina o que perdeu.

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