Ô saudade da gota!
Rosemilton Silva – Jornalista (In memoriam)– Texto publicado em 13 de setembro de 2020.

Rosemilton Silva - Jornalista (In memoriam)- Texto publicado em 13 de setembro de 2020.
Ai que saudades dos tempos em que a gente olhava o desfile das meninas na balaustrada da pracinha com aqui e acolá um acorde de violão saindo junto com a voz de alguém, mesmo desafinada, vindo de um bar e anunciando a serenata que se avizinha logo mais após o motor da luz dar sinal de cansaço e embalar a noite silenciosa da cidadezinha pequena observando o perambular de alguns por suas calçadas ou andar trôpego de alguém que bebeu além da conta e que, pelos passos, muitos já sabem quem é.
Saudade danada, “homi”, daquele olhar brilhando quase saindo faísca da menina dos olhos do coração de cada um de nós. Ou, quem sabe, de um olhar como a lua que se levantava devagarinho acabrunhado como não quer e querendo, primeiro delineando a serra e depois os corpos que podiam ser visto na luz brilhante mais parecendo a estrela Dalva que encantava pelo seu brilho cintilante, piscando pra nós como se fosse vagalumes apaixonados desenhando com suas luzes os fixus benjamins que, daqui a alguns anos, nos trará a tal lacerdinha temida por todos e terão que ser arrancados para acabar com a praga, deixando nossos bancos desnudados sem a proteção que nos ajudava a refrescar o calor em dias quentes de sol a pino.
Saudade da gota serena da inocência de cada um de nós que “ispia” de soslaio – soslaio é ótimo, né não!? – o balançado lento das cadeiras da morena, loira, branca, parda rebolando fazendo um “friviado” no coração enquanto o olfato sente o cheiro da açucena invadir o ar deixando o cabra “arriado inté os quatro pneus”. É coisa pra casamento, garantiam os amigos.
Homi, pense numa saudade doída, que invade o peito e “rimoe” o pensamento oferecendo um mote para o soneto que vai surgindo no papel, enquanto a professora está de costa para os alunos ensinando como a vida pode ser mais fácil ou complicada a partir daquilo que você aprende ou não pensa em aprender naquela carteira para dois que, na maioria das vezes, facilitava a cola numa prova mais difícil e isso, de vez em quando, ajudava a preguiça de estudar os pontos que foram escolhidos para o exame mensal ou de final de ano.

Oxente! E como não sentir saudades do coaxar na beira rio do sapo boi ou dos caçotes que se aventuram no chão da praça depois de um dia de chuva, metendo medo nas meninas que teimavam em desfilar mesmo desviando de vários deles com pulos e gritinhos nervosos e que nos fazia rir. E aí bate aquela vontade latente – hoje eu tou cá mulesta. Latente também é excelente - de pegar um caçote e jogar em cima de uma delas, daquelas que tem mais medo só pra vê-la desembestar no rumo de casa jogando todas as pragas possíveis e imagináveis sobre o mau elemento!
Apois é! Saudade é bicho que mata a gente. Os escravos chamavam isso de banzo. Coisa que não tem cura mesmo. E hoje o banzo ainda está maior ao ouvir o canto lá longe regado a um violão bem afinado e com acordes perfeitos. Olho pro céu e até ouço alguns fazerem coro numa reunião de velhos amigos num bar qualquer que possa existir por lá. E lembrando de tudo isso, uma lágrima vai descendo lentamente para se juntar a outra que teima em marejar o olho para molhar o rosto banhando a vida “de pratrasmente” com seus cheiros, seus gostos, suas belezas, suas risadas, suas angústias, suas alegrias, seus choros...

Ah, que saudade até do mingau servido no recreio da escola, aquela papinha que a gente comia com tanto gosto; do recreio com as meninas brincando de academia, escravo do Jó, ponte da aliança, voley, futebol, uma briguinha aqui e outra logo depois, um copinho sanfonado cheio de suco de fruta fresquinha, um buzí, um baton, algumas “tamarinas” repartidas, um sanduiche de queijo dividido e não pode faltar uma conversinha ao pé do ouvido, claro!

E aí parece que estou ouvindo, Maroquinha do alto de sua intelectualidade poética e cultural, apoderar-se de Casemiro de Abreu e recitar:
“Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores Naquelas tardes fagueiras...” vou recortando o poema na lembrança da recitação.
“Que noites de melodia Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar!”
E vem mais.
“Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã!”
E aí as lágrimas já não deixam o pensamento vagar! A saudade mata a gente!