O Poema que Anda
Alex Medeiros – Jornalista e Escritor @alexmedeiros1959 (Texto publicado na Tribuna do Norte) Dos amigos queridos eu não esqueço sequer o exato dia e o oportuno momento em que nos conhecemos.
Alex Medeiros - Jornalista e Escritor @alexmedeiros1959 (Texto publicado na Tribuna do Norte)
Dos amigos queridos eu não esqueço sequer o exato dia e o oportuno momento em que nos conhecemos. Ele surgiu numa quarta-feira desse mesmo novembro que agora o leva. Era 1981 e era noite, eu e Themis Pacheco saindo do cinema Rio Grande, após assistir “Eles não Usam Black-Tie”, o filme de Leon Hirszman ampliando a peça de Gianfrancesco Guarnieri que estava no elenco. Toda a esquerda da aldeia estava ali nos dois andares do velho prédio.
Nos cruzamos no foyer e Themis foi buscar a motocicleta, enquanto ele puxou a conversa sobre minha impressão do filme, que aliás foi a mais banal resumida num “gostei, achei legal”. Jamais esqueci a crítica dele ao desfecho que demorei para compreender: “aquele final não gostei, muito partidão”. Era a imagem dele do feijão debulhado pelo casal, a simbologia da discriminação ideológica que sempre julgou artistas pela casca antagônica ao macacão.
Depois daquela noite, vieram outras nas sessões cine-arte, os filmes politicamente engajados que a gente via prenhe de crenças doutrinárias: “A Classe Operária vai para o Paraíso”, “Sacco e Vanzetti”, “Mimi o Metalúrgico”.
Naquele começo de anos 1980 ele estava na moda e na mídia, seu apelido superava nas notas de colunas do Diário e Tribuna o sobrenome do ator italiano nas seções de filmes do dia. Volonté era mais que Gian Maria Volonté. Seu primeiro livro de poemas, lançado pela Livraria Clima em outubro de 1982, teve um intenso esquema de marketing criado por ele mesmo desde 1980, quando iniciou a anunciação da obra em dois títulos de bastante curiosidade.
Começou avisando que estava compondo versos para um livro chamado “Decomposição Poética”, que levou dois anos de suspense até que quebrou o mistério apresentando “Antecedentes Criminais”, na alma da poesia marginal.
Naqueles dias, o escritor e poeta Charlier Fernandes, um refinado conhecedor de mitos, soube ler a paisagem humana e conjuntural da cidade, classificando os poetas Bosco Lopes e Volonté como referências de uma inquietude poética.
Volonta, como dizia Napoleão Veras (outro poetaço), estava em todas, uma versão udigrudi das “vitrines” de Chico Buarque, circulando na cidade como em exposição volante a entornar poesia pelo chão. Quem compreendeu, (a)catou
Foi um cara simples de espírito elegante com os muitos que gostavam dele (e como eu vejo agora quanta gente te amava, amigo velho). Interpretava com linguajar singelo complexas letras e canções, os filmes mais intelectualizados.
Humilde no falar e no vestir, rico no bom gosto e na biblioteca que cultuava e de lá trazia mimos aos amigos. Andarilho contumaz nas calçadas de Petrópolis e Cidade Alta, frequentador de uma dezena de confrarias de café e drinks.
Tirando gente maledicente e pedante, nada o abalava, era feliz ao seu jeito. Cabia-lhe bem o que Sanderson Negreiros disse de Sílvio Caldas, um milionário em si mesmo. Seria isso a fazê-lo admirado por ricos tradicionais? Provocado em 2014 pelo empresário Paulo Coelho a fazer Volonté produzir poesia numa fase de desmotivação literária, o convenci de lançar um com outros poetas, na verdade pseudônimos, uma forma reerguer o Pessoa dele.
E aí vieram os livros Ganga Impura, Furor Sobejo, de 2016, e Lares Palustres, que seria lançado dia 5 que passou na esperança dele voltar. Findando a trilogia na ideia de Paulo para estabelecer uma lúdica mitificação da produção.
Seu último presente pra mim – uma mania que virou tradição – foi uma sacola com várias revistas do personagem Fantasma, chamado de espírito que anda. E foi de lá que tirei o título dessa crônica de adeus, e que confirma um versinho de François Silvestre, ou seria um sagrado versículo: “Volonté não fazia poemas, ele era um”.