O POÇO DE SANT’ANA

junho 1, 2025

Gilberto Costa – Poeta e escritor O Poço de Sant’Ana obriga-me a uma parada  demorada em minhas caminhadas.

Gilberto Costa - Poeta e escritor

O Poço de Sant'Ana obriga-me a uma parada  demorada em minhas caminhadas. Às vezes enlarguece tanto o tempo de abstrações que não sobra nada para apreciar outras paisagens no meu entorno.

Nasci na beira do Rio Seridó e permaneci no mesmo lugar por quase três décadas. O espaço que delimita o poço é lúdico. Lá estão guardadas as histórias que povoam minha imaginação.
Já até pensei em trazê-lo para perto de mim, como imagina uma criança.

Vou trazer o Poço de Sant’Ana
Para passar uma semana
Comigo na minha casa.

Quero ver o bater de asas
Dos socós e jaçanãs
Por durante sete manhãs.

Quero senti o cheiro do tempero
De suas margens. O cheiro
Dos mofumbais do vaqueiro.

Dos marizeiros. Dos juazeiros.
Das frondosas oiticicas
De belas mangas Compridas.

Quero com o couro do boi morto,
Fazer também minha prece
E tecer um grande “ESSE”Na matriz da minha infância.

Quero escutar o canto da sereia,
Enrolar-me nos lençóis de areia
Trazidos pelas enchentes

Quero o abraço da serpente
E ter a imagem toda gente
Do meu tempo de criança.

Depois dessa semana,
Pedirei à Sant’Ana
Que nada em seu poço mude.

Quero o poço na sua completude.
Quero o poço como ele só
No melhor pedaço do seridó.

No Canto para Odires, de onde me encontrava, expressei meus sentimentos.

Canto simplesmente porque canto
desde quando a prece antecedeu o aboio.

Minha voz rouca tem apoio
no alto do Arco do Triunfo.
Sinto o arroto do poço
no entorno dos canteiros da matriz.

Certa feita, imagino ser Noel Rosa "O poeta da ilha". E novamente o poço banha minha emoção.

Se pudesse escrever algo sobre o mestre Noel Rosa, começaria com um “Palpite Feliz”. Diria que se ele estivesse vivo deixaria a Vila Isabel e se instalaria na Ilha de Santana. Sim, Caicó também é de São Sebastião. E do alto do Serrote da Cruz, aos cem anos de idade, comporia um clássico chamado “Feitiço da Ilha”.

[...] como seu “Último Desejo”, rogaria ao escrevinhador de sentimentos, que sensibilizasse o prefeito a promover uma limpeza no Poço de Santana, para que suas águas voltem a ser límpidas e cristalinas como dantes, possibilitando enxergar melhor sua “Morena Sereia”!

Por fim, há de ser exposto parte do último diálogo com a Serpente do Poço.

Hoje, logo cedinho, fui prosear com a Serpente do Poço de Sant’Ana. Fazia tempo que não ocorria. A última vez em que estivemos a conversar eu contava com oito anos de idade. Lembro-me que fui pedir-lhe para que intercedesse junto aos meus pais para permitir que eu estudasse. Já não aguentava escutar histórias que diziam haver somente nos livros. Histórias contadas por crianças do meu entorno quando voltavam da escola. E eram as histórias de animais gigantes as que mais me impressionavam. E havia histórias de serpentes. Mas, ninguém falava da existência da Serpente do Poço de Sant’Ana. E nessa última conversa, indaguei do por que dessa omissão. E ela me garantiu que logo eu saberia a causa.

[...] A serpente fez elogios a minha maturidade e manifestou preocupação sobre a devastação ocorrida no entorno do Poço de Sant’Ana. Reclamou do cheiro das águas. Lamentou a ausência de seus vizinhos no santuário de encanto pretérito. Falou da saudade que tinha das traíras! Dos curimatãs! Dos piaus! Dos cascudos! Dos cágados! Das piabas manteigas! Dos camarões! Manifestou a tristeza por seus olhos não contemplarem mais frondosas oiticicas! Marizeiros! Mofumbais! Taquaris!  Por não ver nem ouvir sabiás! Bem-te-vis! Rolinhas caboclas! Enfim, a serpente chorou.

Chegam-me algumas pretensões.

Pretendo que a serpente do poço,
sem nenhum alvoroço,
receba-me como madrinha.
Sebastião na capelinha
acolha minha confissão.
Que no Serrote da Cruz
Possa acenar à Vó de Jesus
Minutos antes da Procissão.

Recebo aquele abraço de conforto de meu xará Gilberto Gil.

O Poço de Sant'Ana continua lindo. Mas, há necessidade de juntarmos esforços em sua revitalização.


Imagens: Gilberto Costa

              

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