O jovem fenômeno
Alex Medeiros – Jornalista e Escritor @alexmedeiros1959 (Publicado na Tribuna do Norte) Quando a seleção brasileira varreu todos os adversários na Copa de 1970, no México, o mundo conheceu mais profundamente o homem que usava a famosa camisa que fora de Garrincha.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor @alexmedeiros1959 (Publicado na Tribuna do Norte)
Quando a seleção brasileira varreu todos os adversários na Copa de 1970, no México, o mundo conheceu mais profundamente o homem que usava a famosa camisa que fora de Garrincha. Marcando gols em todos os jogos, Jairzinho ganhou o apelido de “Furacão”. Há mais ciência do que licenciamento poético na comparação do craque do Botafogo com o poderoso fenômeno climático.
E como todo furacão só aumenta poder acumulando a força de outros ventos, Jairzinho acabou sendo o responsável pela reprodução de um fenômeno no grande ambiente do futebol. E tudo começou como um sopro nas ruas do bairro carioca de Bento Ribeiro. Um menino pobre, feio, dentuço e tímido, que tinha todos os apetrechos para compor o perfil dos anônimos brasileirinhos trazia nos pés a rapidez dos ventos e o poder dos furacões.
E como nos sistemas de baixa-pressão das terras tropicais, o “Furacão 70” percebeu que estava diante de um poder capaz de estourar a escala Saffir-Simpson, que mede os fenômenos eólicos, ou simplesmente a boca do balão.
Ainda adolescente, o garoto Ronaldo exibiu no modesto time do São Cristovão um talento que só se via nos craques. Caras como Zico, que o pobre menino sonhava ver no Maracanã. A profissionalização soprou antes da puberdade.
O final da década de 1980 abriu os céus da oportunidade. E lá estava Ronaldo sendo tratado como um raro diamante em oficina de joalheria. Com idade de juvenil, estreou oficialmente nos titulares do Cruzeiro, no Brasileirão de 1993.

Naquele mesmo ano, o furacão teen encarou os zagueiros do Bahia, dando os primeiros sinais de que o mundo ainda seria varrido por sua força e agilidade. Não tinha ainda 17 anos e meteu cinco gols na goleada por 6 x 0.
A trajetória de Ronaldo se estende de 1993, no Cruzeiro, até 2002, na Inter de Milão, no mesmo ano em que dividiu com Rivaldo a glória da conquista do pentacampeonato brasileiro. Na Inter, ganhou o epíteto “Il Fenomeno”.
De 1994 a 1996, com a camisa do PSV Eindhoven, aquele jogador que desmanchava as estatísticas e ameaçava Pelé na relatividade entre gols e idade, arrebatava público e crítica da Europa com suas arrancadas ciclônicas.

Lançado muito cedo às feras e ao circo do futebol, Ronaldo teve que dividir sua vida em dois momentos: um de glória, com a bola nos pés; outro de drama, com a cabeça nas carências típicas dos adolescentes. Não deu no jogo aéreo.
O “fenômeno” que há em Ronaldo não está diretamente ligado ao futebol mítico dos gênios. Ele não jogou como Pelé ou Messi, não marcou gols como Romário ou Gerd Müller, não teve a técnica de Zico, Maradona e Zidane.
Sua fenomenalidade pertence à construção da conjuntura em torno dele; ungido como primeiro craque representante da era globalizante do futebol. Foi a versão chapliniana dos “tempos modernos”, sendo um operário bem pago.
A fase madura de Ronaldo, em que interesses publicitários o fizeram craque reciclável, não pode nos fazer esquecer os verdadeiros momentos do seu talento. É no Barcelona e na Inter de Milão que reside toda a sua categoria.

Quando chegou na cidade catalã, revelou-se nos primeiros dias como fizera no Cruzeiro aos 16 anos. Seus gols incríveis geravam manchetes espetaculares, até mitificantes: “Ronaldo é um bruxo? É um deus? É o messias do futebol?”.
No dia em que meteu três gols no goleiro Zubizarreta, um jornalista escreveu: “A Liga está adulterada. O Barcelona receberá uma advertência por inscrição indevida. Existem razões para crer que o tal Ronaldo é um extraterrestre”.
É preciso resguardar historicamente o craque que encantou o mundo até 2002, concluindo nas traves orientais as jogadas de Rivaldo. O Ronaldo fenomenal não deve ser misturado nas engrenagens da fábrica de mitos que constrói e destrói coisas belas.
