O Fazedor de Lamparinas

setembro 8, 2024

Raimundo Brasileiro Augusto – Poeta e Escritor – In: “Crônicas da Casa da Pedra Oca” Nasci e passei minha infância na rua da Bica, em Nísia Floresta/RN.

Raimundo Brasileiro Augusto - Poeta e Escritor - In: "Crônicas da Casa da Pedra Oca"

Nasci e passei minha infância na rua da Bica, em Nísia Floresta/RN. Naquela época, as horas passavam lentas, os dias arrastavam o sol preguiçoso, a vida era consumida devagar, com sabor de viver!

Naquele lugar lento, as paredes não me prendiam e eu passava tardes inteiras apreciando as sombras das nuvens nas águas do rio, em cuja beira fica a bica que dá nome à rua.

Havia também um mundo muito distante que chegava pelo rádio do velho Perique sempre sintonizado em uma emissora que tocava canções numa língua que ninguém do lugar entendia, nem mesmo ele, Perique.

Mas eu me encantava mais com o ofício do velho do que com as canções: ele era o único funileiro do lugar e das redondezas. Fabricava lamparinas e castiçais, moldando as folhas de zinco e o ferro em brasa na bancada da bigorna, com destreza, quase sem esforço! Aquilo tudo me fascinava!

Suas mãos tinham o dom divinal para aquele ofício. Suas peças eram únicas, feitas artesanalmente, com criatividade e esmerado saber fazer.

Primeiro ele desenhava as peças no chão do terreiro, utilizando um graveto. Depois ficava espiando o riscado, cortava os pedaços de zinco e esculpia as peças com ferramentas improvisadas sobre a bancada tosca da oficina.

Eu ficava ali, sentado em uma espreguiçadeira, contemplando sua habilidade, encantado ante a destreza do mestre, a ponto de adormecer e sonhar com as lamparinas acesas, e só despertava quando sacudido por alguma batida mais grave do martelo na bigorna, moldando algum ferro em brasa.

Quando minha mãe me perguntava por qual razão eu gostava tanto do velho lamparineiro a ponto de passar tantas horas por lá, eu respondia que ele era um mágico que fabricava luzes, e que me contava estórias de Trancoso sobre reinos distantes, príncipes, donzelas e reis em seus castelos.

Na verdade, eu era fascinado pelo talento do mestre Perique e queria também saber fabricar lamparinas de zinco e castiçais de ferro!

Hoje, quando volto à rua da Bica, o som chiado do rádio com suas músicas esquisitas e as marteladas suaves e ritmadas do martelo na bigorna voltam, ecoando intensas, à minha memória.

Às vezes visualizo a casa de tijolos aparentes lá no mesmo lugar, a bigorna acesa, a fumaça atiçada pelo fole de couro cru encandecendo o ferro bruto e chego a ouvir as batidas suaves do martelo me despertando do sono infantil.

Fico a imaginar em qual castelo ou rua que beira um rio no céu está aquele homem doce, de barba branca cobrindo o pescoço, de gestos tranquilos e voz mansa, para me levar ao mundo fantástico dos fazedores de lamparinas.

Meu olhar marejado se encandeia ali no meio da rua como ainda enxergasse as lamparinas alumiando aquele tempo quase parado, bom de viver e sonhar!

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