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abril 3, 2022

Minha camisola preferida

Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa Mudei-me para Natal com o objetivo de estudar, por volta dos anos 80 e tive a oportunidade de viver numa cidade tranquila, bem cuidada, onde havia segurança e gasolina barata.

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Nadja Lira - Jornalista • Pedagoga • Filósofa

Mudei-me para Natal com o objetivo de estudar, por volta dos anos 80 e tive a oportunidade de viver numa cidade tranquila, bem cuidada, onde havia segurança e gasolina barata. Como a capital ainda estava longe de atingir o contingente de um milhão de habitantes, Natal era um lugar bonito, agradável para se viver e onde havia uma intensa vida noturna, capaz de agradar ao mais exigente boêmio. Embora não me considerando uma farrista juramentada, posso dizer que a noite potiguar era um paraíso em termos de opção para o lazer e entretenimento.

Lembro que nos anos 80, as pessoas ainda dançavam de rostinho colado e nossos ouvidos podiam desfrutar de boas músicas, contando com letras poéticas e melodias maravilhosas. Nada a ver com os Funks e os batidões da realidade atual, onde só se fala em “bater com a bunda no chão”.

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Vivenciei o tempo em que o ponto mais frequentado da cidade eram as praias urbanas que vão de Areia Preta até a praia do Forte. A juventude passava o fim de semana espichado, tomando Sol, exibindo seus corpos magrelos e à noite retornava para a mesma área, a fim de ostentar seus corpos bronzeados e desfrutar da alegria dos lugares que exibiam música ao vivo.

A variedade de bares e restaurantes com música ao vivo era enorme e incluía o Saravá, Casa da MPB, Clube Asfarn, Zás-Trás, Mandacaru e o Carinhoso, entre outros. Em todos estes lugares faltava espaço para comportar tanta gente e as farras só acabam de manhã, com o raiar do Sol. Todos se divertiam despreocupados e, principalmente, seguros de que ninguém seria vítima de assaltos ou arrastões.

Eu tinha uma turma de amigos com os quais saía todo fim de semana e nosso lugar preferido era o Carinhoso, casa noturna, que além de bonita, contava com a voz melodiosa de Liz Nôga, o cantor de maior sucesso na época. Saíamos de lá, somente “na hora da vassoura” e partíamos para comer a deliciosa picanha na brasa, no Restaurante do Miro, localizado em frente ao Carinhoso.

Num sábado de um ano qualquer, estávamos no Carinhoso para mais uma noitada, quando de repente surge diante de mim convidando-me para dançar, um rapaz alto, moreno e de bigode, que era o meu fetiche. O sujeito era, aos meus olhos, sem qualquer exagero, tão belo quanto um deus grego. E eu aceitei o convite para dançar.

Enquanto dançávamos, a conversa fluía naturalmente, mas logo percebi que aquilo que ele tinha de bonito, lhe sobrava em babaquice, defeito imperdoável para um homem bonito. Disse-me que era Carioca e trabalhava na Petrobras, fato que na visão dele, o transformava no 'rei da cocada preta'. Na tentativa de me conquistar, passou a elogiar o meu sotaque nordestino, deixando claro, que na verdade, estava fazendo chacota de mim.

Em dado momento, ele me disse que estava apaixonado por mim. Tratava-se, portanto, de um caso de amor à primeira vista e me pediu em casamento. É claro que eu aceitei. Queria ver onde aquela história iria parar. Fui pedida formalmente em casamento aos meus amigos e até marcamos a data para a celebração.

Enquanto deslizávamos pelos salões do Carinhoso, ele me fez a seguinte proposta: Já estamos apaixonados e vamos casar, que tal a gente dormir juntos hoje? E para me impressionar acrescentou: Estou hospedado no Ducal. Na época, o Ducal era o hotel mais chique e elegante da cidade. Somente quem tivesse muita grana se hospedava no Ducal. E eu, de forma matreira, respondi que iria dormir com ele no hotel. Mas há um pequeno problema, disse eu: Eu tenho uma camisola preferida e não consigo dormir sem ela. Então, você me espera aqui, enquanto eu vou em casa pegar a camisola. Para minha surpresa, o babaca concordou com a proposta e apenas perguntou: Você vai demorar muito? Umas duas horas, eu respondi.

Voltei para a mesa onde estavam meus amigos e contei o episódio. Todo mundo riu muito e a gente continuou na farra. Por volta das 5h da manhã, fomos comer picanha no Restaurante do Miro, e o sujeito continuava sentado sozinho no Carinhoso tomando uma Cuba Libre. A gente olhava para ele e ninguém conseguia segurar o riso.

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Algumas horas mais tarde, ele me viu e veio até mim, perguntando: Querida, você pegou sua camisola? O grupo escutou a pergunta e todos caíram na maior gargalhada, o que ofendeu ao rapaz. Ele olhou para mim muito magoado e disse: Você mentiu para mim. Brincou com meus sentimentos e eu estou verdadeiramente apaixonado e querendo casar com você.

Eu não conseguia pronunciar uma única palavra, porque não parava de rir. Ele foi embora sentindo-se profundamente ultrajado e a partir daquela data, a história da camisola preferida transformou-se na desculpa usada por minhas amigas, sempre que precisavam escapar de uma cantada malfeita por um sujeito babaca.

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