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janeiro 10, 2021

A LUZ DO MUNDO

Nilo Emerenciano – Arquiteto, escritor e articulista Há alguns anos, em visita ao Santuário da Serra do Lima, em Patu, tive a grata surpresa de ver placas registrando a presença dos restos mortais dos antigos vigários da Paróquia da Sagrada Família, em Natal, que abrange a Matriz do Bom Jesus das Dores, na Ribeira, a […].

Nilo Emerenciano - Arquiteto, escritor e articulista

Há alguns anos, em visita ao Santuário da Serra do Lima, em Patu, tive a grata surpresa de ver placas registrando a presença dos restos mortais dos antigos vigários da Paróquia da Sagrada Família, em Natal, que abrange a Matriz do Bom Jesus das Dores, na Ribeira, a Igreja da Sagrada Família, nas Rocas e o hoje Santuário de Santos Reis, no bairro de mesmo nome.

Esses padres eram alemães e marcaram na minha memória emocional a imagem de verdadeiros padres-curas, próximos dos seus fiéis. Eram três: padres José Winterhalter, Frederico Pastors eBiesinger. Esse último nós chamávamos Padre Zé Vizir, evidentemente corruptela de Biesinger.

Vestiam batinas negras, calçavam botinas (padre Frederico as usava enormes, número 44) e chapéu. Andavam sempre a pé.

Zé Vizir de tardezinha subia lentamente,em passos curtos, a ladeira da Rua Cordeiro de Farias em direção à Casa Paroquial, que chamávamos Casa dos Padres. Os meninos o cercavam e ele tinha sempre bênçãos, carinho, afago se sorriso para todos, além de santinhos que tirava dos bolsos da batina e distribuía. Minha mãe dizia que ele percorria, em lombo de jumento, as praias da Redinha, Barra do rio e Pitangui, batizando, casando e oficiando missas. Era simples e paciente com todos, sempre humilde e tranquilo. Morreu aos 90 anos, a morte dos justos.

Pouco me lembro do Padre Frederico, apenas que era um homenzarrão de risada larga e contagiante e pés enormes.

O padre José Winterhalter, ou padre José, foi o mais próximo de nós. Já velhinho e impossibilitado de rezar as missas da matriz, passou a cumprir sua obrigação sacerdotal em uma minúscula capela da Casa Paroquial. Aliás, foi ali que conheci frei Damião, já encurvado e idoso e, sinto confessar, não me causou grande impressão.

O Padre José tinha o rosto de um arcanjo e um ar de bonomia que jamais esqueci. Nós, solidários com o sacerdote, íamos à missa das manhãs de domingo levados pela minha mãe, ocasião em que eu aproveitava para colher sapotis nos fundos da casa paroquial.

Esses homens sagrados marcaram, com certeza, a minha infância. Não havia ainda os cultos-espetáculo ou os padres cantores. Muito menos a teologia da prosperidade. A liturgia era feita em latim, e até hoje lembro osmiserere nobis, ou o dominus vobiscum/Et cum spiritu tuo.

Faço esse registro motivado pelas frequentes notícias que vemos na TV ou nas redes sociais, dando conta de homens ditos pastores de almas que afundam na lama dos desvios morais.

A última é sobre o arcebispo da cidade de Belém do Pará, Alberto Taveira Correa, acusado de abuso sexual por ex-seminaristas. O padre Robson, de Goiás, é acusado de desvio de milhões de reais. Há já algum tempo, o curandeiro João de Deus está preso denunciado por dezenas de mulheres de assédio sexual. Os pastores Everaldo, Flor de Lis, Crivella, amargam, na justiça, o resultado de seus desvarios.

O que está havendo? Porque homens que deveriam guiar os seus rebanhos caem nas armadilhas do dinheiro fácil ou dos prazeres – para eles – ilícitos? Será que a dupla ameaça que paira sobre as suas cabeças (a justiça divina e a dos homens) não serve de alerta? Ou tudo é feito de forma intencional, quer dizer, trata-se de um projeto elaborado de atingir objetivos vis através da manipulação das almas ingênuas, fragilizadas pelas tantas dificuldades naturais da vida?

E nós? Devemos ter esquecido os inúmeros casos de pedofilia na igreja católica, dos líderes de religiões diversas que “em nome de Jesus” levam, às vezes, os grupos de fieis a tragédias. Das vigarices. Dos estelionatos morais.

E aí, se ergue como um farol, para mim, o exemplo dos padres alemães da paróquia da Sagrada Família. Viveram e morreram longe da pátria, mas bem próximos dos necessitados. Deveriam ser lembrados e reverenciados em uma época que o materialismo busca prevalecer.

E nós, privilegiados por viver na cidade do Natal, temos obrigação de passar para os nossos filhos e demais contemporâneos a história do Padre João Maria, anjo da cidade, que dava sua rede e batina para os pobres e morreu porque, em plena epidemia de varíola, não abandonou a cabeceira dos seus fiéis mais necessitados.

Esses homens são a luz do mundo e o sal da terra. Para eles, o meu respeito e admiração.

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