NOTAS DE VIAGEM 

outubro 27, 2024

Nilo Emerenciano  – Arquiteto e escritor  Não sou nenhum Marco Polo, mas posso compartilhar com vocês algumas observações a respeito da última viagem que fiz.

Nilo Emerenciano  - Arquiteto e escritor 

Não sou nenhum Marco Polo, mas posso compartilhar com vocês algumas observações a respeito da última viagem que fiz. Quem passa o tempo na ponte aérea, tipo aquele personagem do George Clooney, evidentemente nem tem tempo para tais anotações. Mas sou um viajante bissexto, portanto tudo é sempre novidade. 

Por exemplo: somos tratados como gado nos aeroportos. Falo dos grandes, porque o nosso, em São Gonçalo, tem um pequeno movimento. Mesmo assim, o desrespeito começa na falta de alternativas para quem não tem grana para Uber ou taxi. Até conseguir chegar a um ponto de parada de ônibus rebocando uma mala de rodinhas o viajante que chega vai se arrepender da viagem.

Nos aeroportos maiores, as filas e distâncias são enormes. No controle de passaportes nem pensar. Passei mais de uma hora numa delas. Se você tem compromisso, esqueça, já perdeu, playboy. Depois reze para achar a mala naquela loucura das esteiras. Não ria de quem prende fitas ou outros badulaques na mala, pois ajuda bastante na busca. E mais, ninguém ajuda você. A palavra de ordem é: vire-se.  

Turismo é turismo em qualquer canto. Tanto faz o cajueiro de Pirangi ou o Coliseu. Ouvir a mesma cantilena dos guias, muitas vezes com informações erradas que você não vai se estressar tentando corrigir. Todos compram as mesmas bugigangas para colocar na porta da geladeira e mostrar às visitas. Sem falar na pressa desses passeios guiados. Se você parar para observar mais atentamente uma pintura ou coisa que o valha, prepare-se, vai ficar para trás se não localizar imediatamente a bandeirinha ou chapéu do guia.

Comprei duas aquarelas que acreditei serem originais e continuei o meu passeio. Qual! A cada dez metros de calçada outros artistas vendiam as mesmíssimas aquarelas, todos garantindo a originalidade dos trabalhos. A barreira da língua não me permitiu perguntar se eles usavam um carimbo ou proferir uns insultos em português, a boa e velha flor do lácio. 

Rome, Italy - October 26, 2011: Several souvenirs of Rome with the main landmarks, some people are buying something to bring home

Inventei de seguir a opinião de amigos e me hospedei em um tal de Airbnb. Esqueça, caso esteja pensando em viajar. O barato sai caro, aliás, caríssimo. Não há uma cara humana para você tirar dúvidas ou receber informações. A coisa funciona tipo um filme de espionagem. Há códigos, tipo a chave está em uma caixa na esquina. Para abrir o código é 007X-9 e depois dê três passos para a esquerda. O anúncio fala em café da manhã. Não é mentira, tem sim, se você entende por café da manhã uma cápsula de café e um pão murcho. E só. A não ser que faça regime rigoroso, não vai ser suficiente (para mim não é. preciso de cuscuz, ovos e macaxeira).

Também não há a quem reclamar. E pode haver outras pessoas hospedadas no mesmo espaço, o que pode provocar sustos, como ao sair do banheiro de cuecas ou envolto na toalha, a gente se deparar com uma garota ou uma senhora assustada. 

Se você não fala inglês é melhor procurar uma excursão qualquer. Não falar inglês é um crime. Nós somos olhados de cima pra baixo, alvos de desprezo, tipo forasteiros caras-pálidas. E não pense que aquele inglês do ginasial vai ajudar. What is this? What time is it? Esqueça o verbo to be, irmão. O buraco é mais embaixo. - Ah, mas vou a Lisboa e lá falam português... Ledo engano. Lá eles falam uma língua que apenas de longe é aparentada com o português. Por exemplo, eles não entenderam meu ôxente, como pode?  

E tem mais: faça, antes de viajar, um curso intensivo de uso de celular. Sim, esse aparelhozinho que você pensa servir só pra telefonar, mandar mensagens e pedir Uber. Nele você pode usar um tradutor instantâneo que serve para uma comunicação rudimentar, tipo me Tarzan, you Jane, sacou? Pode também pedir a alguém para instalar - se você for, como eu, um Tiranossauro Rex – um troço chamado Wise. Com ele você paga contas sem as taxas absurdas de câmbio cobradas no cartão normal.  

Prepare-se para dias sem farinha ou feijão. Nem carne de jabá. E cuidado, não peça nenhum prato antes de se certificar do que diabo eles estão falando. Na dúvida, siga no óbvio. Vá por mim. Pra se ter uma ideia, azeite não é azeite, e sim vinagre. Sabe aquele velho e bom cachorro quente que em toda esquina tem aqui na terrinha? Não, não vai achar. Vai encontrar, e muito, croissant. Depois de três dias você prefere uma bolacha seca do Seridó. Mas nem isso.    

Nunca entendi o bordão “quem converte não se diverte”. Como não converter a moeda para pelo menos ter uma ideia do buraco em que está se metendo? O euro está a mais de seis reais, sem choro nem vela. Então o Uber, por exemplo, que faz a nossa festinha por aqui, é impraticável lá. Não à toa são carrões de luxo que prestam esse serviço, automáticos, novos, limpos e cheirosos. Menos mal. Mas prefira os trens, ou os ônibus, qual o problema? Você está de férias mesmo.

Bote um tênis confortável e se prepare para caminhadas. Calças jeans também são bem-vindas. Acredite em mim: ninguém vai prestar atenção em você diante de tantos trajes exóticos, cabelos azuis, vermelhos, furta-cor. E se sentir um cheirinho no ar, lembrando seus tempos de universidade, não estranhe, a turma queima um baseadinho em todo canto sem problemas. Peguei um taxi fedendo ao que achei fossem cigarros e reclamei.  Você andou fumando? O motorista riu e respondeu - é haxixe. E me ofereceu um. No trajeto quase provocávamos acidentes de toda forma, e ainda fui deixado longe do meu destino. Então mais uma dica: nunca tome táxis com motoristas chapados. 

E por último, não tenha pejo em usar um farnel, ou seja, uma sacolinha com bananas, maçãs, uns biscoitinhos Maria ou Cream-crack. Nunca se sabe. E uma garrafinha d'água. Lembram daquela tia que a gente enchia o saco porque ia aos piqueniques levando galinha torrada com macarrão e farofa e a gente chamava farofeira? Pois é. Na hora H estávamos todos a seu redor pitigorando as comidinhas e abençoando a tia querida. Então? Lembre-se da tia dos piqueniques e se previna também.  

E se puder, meu amigo, fuja do trivial. Peça uma dica a alguém com cara de papudinho. Pergunte por uma boa cantina fora do circuito turístico, que tenha música e onde todos se entendam pela língua de Babel. Procure se enturmar. Sempre tem alguém do Ceará, vai ver, da praça do Ferreira. Se der certo vai encontrar até uma mossoroense falando “bichinho, se chegue pra cá, ôme”. Aí você fez a noite. E a viagem. Nem vai mais querer visitar o Vaticano muito menos tentar uma conversa com o Papa Francisquinho para falar mal do Messi.   

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