NO POÇO DE SÃO SARUÊ
Gilberto Costa – Poeta Seu Januário apareceu entre nós assim como que meio mágico.
Gilberto Costa - Poeta
Seu Januário apareceu entre nós assim como que meio mágico. Simplesmente apareceu e pronto. Não lhe foi perguntado de onde vinha. Não lhe foi interrogado sobre de qual família descendia, algo comum aos seridoenses. O certo é que Seu Januário se tornou íntimo de todos na rua e logo lhe foi disponibilizado um cantinho num lugar meio isolado do logradouro para que se arranchasse. A única abordagem sobre Seu Januário relacionou-se ao seu nome que de pronto foi dito chamar-se Januário da Fonseca.
Seu Januário era parecido com um profeta. Barba e cabelos grandes em desalinho e roupas surradas, com destaques para a camisa de mangas longas e meio esvoaçantes. Fala mansa e mais ouvido do que fala. Atencioso, sempre se disponha a atender às necessidades de todos na rua. Brincalhão e contador de histórias atraía a atenção das crianças, principalmente. Não lhe faltava um prato de comida e roupas que a vizinhança fazia questão de sempre levar-lhe em seu ranchinho. Não gostava de ver televisão nem escutar rádio.
Gostava de ler, isso sim. E lia somente um livro, o mesmo livro cuja capa era diferente de todas as que se tinham publicado. Diferente porque simplesmente não existia capa no livro de Seu Januário. Seu livro era como se fosse um punhado de páginas protegidas por uma folha mais espessa. E nesse aspecto Seu Januário era um pouco pouco radical. Quando lhe era oferecido qualquer outro livro ele dizia que o seu tinha tudo que ele precisava saber. Ninguém duvidava de Seu Januário. Como duvidar daquele homem bom? Prestativo igual não tinha.
Assim era o cotidiano de Seu Januário. Olhos atentos a qualquer demanda de alguém. Ouvidos sempre a escutar as angústias alheias. E conselhos, muitos conselhos aos que lhe procuravam. De manhã logo cedinho, Seu Januário se disponha a olhar para o nascente, por cerca de quarenta minutos. Observava o sol nascer e só voltava para seu rancho quando tinha certeza de que realmente o astro rei tinha engrenado.
Ao final do dia, de tardezinha, Seu Januário acompanhava o repouso do sol e só voltava para seu lar ao se cientificar de que ele se tinha mesmo deitado no poente. Era interessante esse ritual de Seu Januário. Perguntar do porquê de tudo aquilo nem pensar. Seu Januário nada respondia. Apenas ria. Um riso de poucos segundos. Um riso muito mais para si próprio do que para os que ousavam lhe interrogar. Assim era o cotidiano de Seu Januário.
Certo dia Seu Januário não é visto pela manhã contemplando o nascente.Todos correm logo ao seu rancho para saber o que lhe tinha acontecido. Nada. Seu Januário não se encontrava em casa. Ele havia sumido. Em minutos, a rua se mobiliza toda à procura de Seu Januário. Professores não foram dar aulas. Padeiros não foram produzir pães. Funcionários Públicos não foram trabalhar. Médicos não foram atender. Policiais não foram dar segurança à população. Agricultores não foram semear. Em pouco tempo a cidade parou. Todos estavam juntos na missão de encontrar Seu Januário.
Mas ninguém o encontrou, apenas suas roupas boiando no Poço de São Todos presumiram que Seu Januário se tinha afogado. Mas os bombeiros não encontraram corpo algum. Logo se ventilou a hipótese de que a serpente do poço tenha engolido Seu Januário. Velas foram acesas ao redor do poço. Muitas velas. As chamas abraçaram o abraçaram em forma de cinturão. O clamor foi grande. Muitos choraram.
Em pouco tempo os milagres. Um deficiente que não andava passou a andar após fazer uma promessa a Seu Januário. Cegos passaram a enxergar. Grávidas em partos de riscos se dirigiam ao Poço de São Saruê para fazerem suas preces e pedir a Seu Januário que antecedesse por elas. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora. Seu Januário passou a ser chamado de São Januário.
No primeiro dia de finados seguinte ao desaparecimento de Seu Januário (São Januário) a circunvizinhança do poço pareceu um vulcão em erupção tamanha a quantidade de velas acesas. Os gestos de gratidão passaram a se repetir anos após anos.
Depois de cerca de dez anos São Januário aparece. Mas ninguém sabe que Seu Januário é São Januário. Sem barba e cabelos cortados. Roupas limpas e adaptadas à moda mais parecia alguém de fora que por acaso visitava a rua. Seu Januário fica surpreso com as histórias contadas ao seu respeito.
Incomodado, Seu Januário chama Jacinto a um canto e conta-lhe que jamais poderia ser uma pessoa que obrava milagres. Ele, um assassino perverso, com mais de quinhentas mortes no currículo. Como podia ser um milagroso? Fica no dilema de contar ou não a verdade.
Pede conselhos ao seu confidente que lhe roga para não quebrar o encanto daquelas pessoas. Que se vá dali para um canto onde ninguém possa saber quem seja. E que seja São Januário e deixe de matar gente.
Assim se foi São Januário. Não se sabe para onde. Não se sabe se redimido de seus pecados.
No Poço de São Saruê, milagres se multiplicam. E velas são acesas no dia de finados. Muitas velas.