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abril 11, 2021

No escurinho do cinema

Nilo Emerenciano – Arquiteto, escritor e articulista.

Nilo Emerenciano - Arquiteto, escritor e articulista.

As novas gerações, habituadas aos serviços de streaming, não imaginam o fascínio que a sétima arte representou para os meninos do século XX (parece tão distante). Os cinemas eram projetados seguindo o modelo dos teatros, com pompa e circunstância. Meu pai foi barrado no cinema São Luís, em Recife, por não vestir paletó.

Principais cinemas de Natal

Aqui na terrinha havia os cinemas Rex, na av. Rio Branco, gerenciado por Reynaldo Iglesias, genro de Luís de Barros, o proprietário; o Rio Grande, na Av. Deodoro; o Cine Nordeste, único com ar condicionado. No Alecrim existia o Cine São Luís, com ótimo equipamento sonoro. O cinema que mais frequentei foi o Poti, por ser perto da minha casa, ali na av. Deodoro, onde depois foi o Diário de Natal e antes era auditório para programas como Vesperal de Atrações, Sabatina da Alegria ou Domingo Alegre. E os cinemas de bairro, menores, tipo o São Pedro, o Pulguinha, nas Rocas, e a sala de projeções de Severino Galvão, palco de ótimas estórias contadas por João Galvão, seu filho. O Panorama, nas Rocas, veio depois.

Cinema Rex, em Natal

O Rex era o cinema dos seriados nas manhãs de domingos. A meninada levava revistas para trocar e vender na calçada antes da sessão.  Zorro, Tarzan, Superman, eram as mais valorizadas. Ali vi as séries “Os perigos de Nioka”, “O misterioso Dr. Satan”, “O Império submarino”. Para quem não sabe os seriados eram o grande barato da garotada daqueles verdes anos. E durante a semana a gente discutia como o mocinho iria se safar da encrenca que se metera no último domingo (ele sempre se safava). Junto com o seriado passava sempre um filme antigo, de faroeste. Ainda bem, pois assim vi Monte Hale, Rock Lane, Hopalong Cassidy, heróis do bem que não matavam ninguém, só atiravam na mão para tirar a arma, laçavam os bandidos como se fossem reses, ou resolviam tudo no soco. No Rex vi chanchadas da Atlântida com Oscarito, Ankito, Grande Otelo, Zé Trindade, Dercy Gonçalves e o grande Mazzaropi. Qualquer um deles, pra mim, dava de dez no mexicano Cantinflas ou no concorrente americano Jerry Lewis, com suas caretas e trejeitos.

Clássico Ben Hur

Na esteira do filme Ben Hur vieram os heróis do que a gente chamava capa-e-espada. Maciste, Ursus, Hércules, heróis de força descomunal. Em um desses filmes Maciste provocava um terremoto escala 5.  Um dia, o roteirista se emputeceu e lançou “Maciste, Hércules, Sansão e Ursus, os invencíveis”! É pouco?  Algo assim como a liga da justiça. Não é a toa que os faroestes houvessem perdido a força. Afinal o que John Wayne podia fazer contra essas feras?  E assim surgiu o Oeste espaguete, produções italianas, com anti-heróis como Ringo, Sartana ou Django, que carregava um esquife nas suas andanças e ao invés de um Colt 45 usava uma metralhadora que destruía bandos inteiros.

 A essas alturas eu já havia mudado o meu gosto e nem o surgimento de Bruce Lee e os filmes de Kung fu me atraíram. Eu agora era cliente dos filmes do Cineclube. Acho que a paulada foi “Blown up”, de Antonioni. Saí do cine Nordeste com a sensação de ter entrado em um mundo novo. Eram tempos dos filmes de autor, e Fellini, Pasolini, Godard, Antonioni, Bergman, Visconti, além dos brasileiros do Cinema Novo, faziam a cabeça da juventude. Glauber, Person, Jabor, eram nomes fáceis nas nossas rodas de conversas, feitas em voz baixa, pois eram tempos de ditadura também.

Anos depois “Cinema Paradiso” contou a historia de um cinema em uma pequena cidade a partir das lembranças da infância de um cineasta. Mais recente, o brasileiro “Cine Holiúdy” mostra em tom de comédia a importância do cinema em uma cidade do interior do Ceará.

Ah, o cinema. A falta que faz. A pandemia fechou as salas em todo o Brasil. Estamos limitados a ver pela TV o que só tem efeito em tela grande, no escurinho do cinema, chupando drops ou mascando chicletes e gritando Xô! ao ver surgir o enorme pássaro da Condor Filmes. Além de vibrar com o Canal 100 que mostrava o Flamengo no Maracanã; vaiando horrores quando a fita partia; torcendo aos gritos pelo herói no seu cavalo que só falava inglês.

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Hoje estamos sem cinemas, sem saúde, sem heróis. Vilões existem aos montes. Mas aprendemos nos filmes que há sempre um final feliz, em que os bandidos sempre são presos e excluídos da cena das nossas vidas.

NATAL/RN

3 respostas para “No escurinho do cinema”

  1. Dantas disse:

    Natal e seus encantos.

  2. Crisolita THE Bonifacio disse:

    Gostei imensamente de recordar aquele tempo dos cinemas em Natal. Eu morava em frente ao Cine Rio Grande e assisti, em 1949, a sua inauguração. Fui muitas vezes às sessões de filmes maravilhosos como Luzes da Ribalta, E O Vento Levou, entre tantos. Adorei!

  3. Cláudia disse:

    Excelente texto,Nilo!