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abril 3, 2022

No escurinho do Cinema Poti

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor As novas gerações não vão compreender jamais o fascínio que o cinema exercia sobre nós, os jovens há mais tempo.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

As novas gerações não vão compreender jamais o fascínio que o cinema exercia sobre nós, os jovens há mais tempo. Brincávamos de “mãos ao alto”, com pistolas de madeira ou, com mais sorte, de plástico, influência direta dos anos de ouro do Western nas telas.

Cowboys não faltavam: Roy Rogers e Dale Evans, Tim Holt, Monte Hale, Rock Lane. E heróis mascarados como o Zorro e seu amigo Tonto. Além de John Wayne, Gary Cooper, Glenn Ford, Gregory Peck e tantos outros. Inesquecíveis mocinhos que derrotavam os bandidões e levavam de prêmio a ingênua donzela. Nesse gênero meus preferidos sempre foram Os Brutos Também Amam e Rastros de Ódio.

Os Brutos também amam

Depois o oeste deu lugar aos filmes de capa-espada. Nossos heróis mudaram. Maciste, Ursus, Hércules e Sansão entraram em cena. Não perguntem como um mito grego, um herói bíblico, um personagem de Quo Vadis e o inventado Maciste se uniram, mas um dia um diretor apelou e juntou todos no filme Hércules, Sansão, Maciste e Ursus, os Invencíveis. É mole? Claro que não deu pra vilão algum. Ao invés de revólveres agora fazíamos espadas de pau e nos divertíamos a valer.

Hércules

A sétima arte deu uma vira volta e os cowboys voltaram via produção italiana. O chamado faroeste espaguete fez furor, com músicas marcantes e heróis improváveis. Agora Django, Ringo e Sartana reinavam nas planícies. Por um Punhado de Dólares, o Dólar Furado e Três homens em Conflito são referências, sendo Era Uma Vez no Oeste, de Sérgio Leone, a referência maior.

Três homens em Conflito

Pra quem torcia o nariz para os exageros, o advento de Bruce Lee e a kung-fu-mania deve ter sido a gota d’água, pois seus personagens além de serem lutadores implacáveis até voavam sem explicação plausível. Bruce Lee morreu antes do tempo certo e tornou-se mito, levando muitos jovens a se inscreverem em academias de karatê.   

Minha família morava próximo ao Cine Poti, na Av. Deodoro, onde depois se instalou o Diário de Natal/O Poti. A rádio Poti desde há muito funcionava lá atrás, o acesso sendo feito por uma passagem lateral. Tenho uma recordação remota da inauguração do cinema, quando exibiram um dramalhão premiado chamado Imitação da Vida com a bela Lana Turner. Minha mãe nos levava na marra, fazer o quê? Dali em diante minha adolescência foi ligada à existência daquela sala de cinema até porque o porteiro nos facilitava o acesso, driblando a fiscalização do inspetor de menores.

A gente entrava pelo portão lateral depois de iniciada a sessão e assim vimos todos os filmes proibidos, desde Mundo Cão até Drácula, Vampiro da Noite, e os filmes nacionais onde pudemos ver a chocante nudez explícita de Norma Bengel em Os Cafajestes. Ali, nas telas do Poti, o Cinema Novo entrou na minha vida. Incomodava-me o fato de serem filmes em preto e branco, mas obras como o Cangaceiro, Tião Medonho, Rio 40 graus, Mineirinho, Vidas Secas e A Hora e a Vez de Augusto Matraga se firmaram em meu gosto por cinema.

Ali também tive os meus primeiros namoricos. O espaço foi usado para um programa de auditório chamado Vesperal de Atrações. André Silva e João de Orestes cantavam e agradavam as meninas. Uma tarde, empolgado ao lado de uma garota, senti pancadinhas no ombro e um cheiro forte de birita. O cara atrás de mim falou que era o pai da garota e eu ia fazer o quê? Ele saiu levando a namorada e a minha pose de galã precoce. E ainda respirei profundamente aliviado. Os amigos, ao fundo, riam do meu constrangimento.

Antes disso outros programas haviam acontecido. Domingo Alegre, Sabatina da Alegria. Naquele palco cantaram Glorinha de Oliveira, Izaltina, José Leão, Vicente Celestino e tantos outros artistas da era de ouro do rádio.

Foto: Ilutração

Escrevo tudo isso motivado por uma antiga foto do cinema Poti já abandonado (que o leitor visualiza no início, antecedendo esse texto). A imagem me trouxe lembranças de um tempo que se esvanece aos poucos. Filmes, amigos, namoradinhas, gargalhadas, conversa besta, Jerry Lewis, Joselito, Elvis Presley, Sarita Montiel, Os Trezentos de Esparta, os primeiros cigarros Elite fumados às escondidas. Drops Dulcora, cigarros de chocolate, buzí, balas de uísque, jujubas, a ladeira que chamávamos “da Poti”, botas de camurça, a grana contada cuidadosamente. Diziam-me (e eu não acreditava) que mais tarde ia ter saudade daquilo tudo.

Depois vieram outros tempos. Os cinemas estão instalados nos Shoppings para uma plateia asséptica e comedora de pipocas vendo heróis da Marvel. Ou em streamings tipo Netflix. O sonho de qualquer criança se realizou: centenas de filmes em casa ao alcance de um clic. Porque será que não acho graça alguma e fico a lembrar das matinés do Cine Poti? E porque a canção de Aldir Blanc e João Bosco não sai da minha cabeça?

Conforto dos cinemas, atualmente

Ah, recomeçar, recomeçar                                                                                        Como canções e epidemias                                                                                             Ah, recomeçar como as colheitas                                                                             Como a lua e a covardia                                                                                                 Ah, recomeçar como a paixão e o fogo.

2 respostas para “No escurinho do Cinema Poti”

  1. Sebastião, bastinho da cigarreira disse:

    Que saudade me deu de um cinema????
    E olhe que curti só o cinema Santana aqui em São José de mipibu, nos anos 80.

  2. Terezinha Tomaz disse:

    Que beleza de recordação!