MOMENTO RETRÔ
NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor Não sei quanto a vocês, mas não gosto de falar a minha idade.
NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor
Não sei quanto a vocês, mas não gosto de falar a minha idade. E, não, não se trata de vaidade ou algum complexo de Peter Pan, simplesmente acho que é assunto só meu. E quando alguém tenta adivinhar dando chutes que passam longe, confirmo para satisfação do meu interlocutor:
- Isso aí, como você adivinhou? Isso me livra daqueles comentários tipo: “Tá inteiraço!” “Qual a receita?”
Mas tenho o hábito de dar pistas quanto ao tempo de vida e isso me diverte. Falo por exemplo:
-Meu filho, sou do tempo de namoro no portão, sob os olhares vigilantes dos pais ou de um irmão pequeno da garota. Ir ao cinema só levando uma comitiva de irmãos e vizinhos que inviabilizava qualquer avanço. Ah, mas claro que dávamos um jeitinho, sempre há um jeitinho, e como era excitante.
Namorei uma moça cuja mãe era de uma pontualidade assustadora. Sempre às dez da noite ela gritava lá de dentro:
-Lúcia, 10 horas!
Comecei a brincar com aquilo e quando faltavam poucos minutos para a hora fatídica eu começava a contagem regressiva. Batata. Na hora agá o grito vinha lá de dentro:
- Lúcia, 10 horas!!!
A moça não suportou minhas ironias e, claro, o namoro acabou. Mas depois começamos a namorar escondido, o que, acreditem, foi muito melhor e prazeroso.
-Quem não viveu, não vai saber como era bom tomar banho no rio Potengi. Fosse no Cais Tavares Lira, onde chegavam e saiam os barcos à vela ou motor de Luís Romão em direção a Vila da Redinha, do outro lado do rio, entre os morros, como diria Newton Navarro. Ou na rampa do Sport Club de Regatas, meu favorito pois tinha as cores do Flamengo. O Centro Náutico, a poucos metros, também era opção. E por falar nisso, também testemunhei as festas que eram as regatas dos domingos, que contavam também com a equipe do Riachuelo do pessoal da Base Naval.
E, meninos, eu vi a chegado do Navio Hospital Hope, manhã cedo, majestoso, se dirigindo para o
Cais do Porto.
-Vi jogar no Estádio Juvenal Lamartine Alberi, Véscio, Santa Cruz, Hélcio Jacaré, Lula, Marinho Chagas. Esses dois últimos chegaram brilhantemente à seleção brasileira Mais recuado no tempo fui testemunha das habilidades de Jorginho, Saquinho, Talvanes, Burunga, Cocó.
E estava lá, no campinho do Tirol, quando meu Alecrim foi bicampeão e depois campeão invicto, com Icário, Zezé, Capiba, João Paulo, Miro, Cara-de-Jaca.
É pouco? Então lá vai mais.
-Amanheci um dia de 1964 com a casa cercada de jipes do exército. Meu pai havia sido presidente do Sindicato dos Radiotelegrafistas e o endereço era o da nossa casa. Que susto. Que medo. Quanta apreensão. Era só o início de um tempo que duraria vinte anos, mas, como tudo na vida, acabou.
-Vi Lula discursar na praça Gentil Ferreira.
Vi João do Vale, após uma dessas manifestações, onde ele entoou o mantra “é na lei ou na marra/é na marra ou na lei’, tomando umas pingas lá no Bar Castanhola.
Estava presente quando Aluízio Alves entrou no Bandern para devolver os milhões que arrecadara para pagar o rombo do banco. E a turma lá atrás entoando o coro: “Pagou e não roubou”. Isso rendeu até um hino de campanha. “Foi numa tarde de dezembro, todo mundo viu, o banco abriu, o povo entrou, e a turma lá de trás gritou, pagou e não roubou, pagou e não roubou.”
Não imaginava que tempos depois iria ver as manifestações pelas Diretas Já ou as campanhas emocionantes de Brizola, Lula, Mário Covas e Ulisses Guimarães. Até parecem as campanhas de hoje, com Pablo Marçal e outros do mesmo quilate.
-Votei no novato Agenor Maria, o marinheiro, para senador, em detrimento de Djalma Marinho, homem de reconhecido preparo e vida política reta. Mas Djalma era da ARENA, fazer o quê? Os tempos eram assim, duros.
Querem mais pistas?
-Dancei nas tardes de domingo no ABC, ao som do Impacto-5. Aliás, também na Assen, no Tirol Tênis Clube, ou Aero Clube se vocês preferem. Arrastei minha asa no Alecrim Clube, Quintas Clube, Clube Atlântico, enfim, onde quer que houvesse uma banda (na época chamávamos conjunto) tocando.
Frequentei a praia dos Artistas, a praia de Pipa quando não havia nada do que vocês veem hoje, nem restaurantes, apenas dona Eunice, que preparava a comida que a gente levava.
Frequentei os cinemas da cidade e o Cineclube nos domingos de manhã.
-Vi no Teatro Alberto Maranhão grandes apresentações. Por exemplo: Augusto dos Anjos, poeta e cidadão brasileiro; Macunaíma, de Antunes Filho, maravilhoso; Terras de Arisco; Auto da Compadecida duas vezes, na primeira Jesiel Figueiredo fazia Lampião, na segunda, já mais experiente, interpretava o João Grilo; Um Uísque para o Rei Saul, com Glauce Rocha; Esperando Godot, com Eva Wilma; Doce Deleite, Marcelino Pão e Vinho no Céu. São tantos que a memória falha.
No palco do TAM acompanhei quase todos os shows do projeto Seis e Meia. Assim, vi Arrigo Barnabé,
Nana Caymmi, Leila Pinheiro, Nara Leão com a Camerata Carioca, Braguinha e Miúcha, Ângela Ro-rô, João Nogueira, Sérgio Ricardo, Edu Lobo.
E assisti, maravilhado, Cauby Peixoto e Ângela Maria na Concha Acústica, na praça André de Albuquerque. Anos depois iria vê-los mais uma vez em praça pública, em Belo
Horizonte.
Ia esquecendo, estive também, nas tardes de sábado e domingo, no auditório da Rádio Poti, participando dos programas de auditório Sabatina da Alegria e Vesperal de Atrações.
E vejam, já arriscava os primeiros flertes, e se você não sabe o que era flerte com certeza é da geração Xuxa e quanto a isso, sinto, mas não posso fazer nada.
Essas reminiscências estão parecendo um inventário (cruz credo) e vou parar por aqui. Acho que já dá para ter uma ideia que não sou mais o garoto que amava o Beatles e os Rolling Stones nem um desses velhinhos que ficam a jogar dominó na praça. Como todo inventário muita coisa fica fora. Quem sabe a gente não volta?