MINHA LOUSA ARENOSA

Gilberto Costa - Texto produzido em 07.

Gilberto Costa - Texto produzido em 07.07.1998


Escrevi as primeiras letras com uma caneta de cipó de marmeleiro na lousa arenosa do Rio Seridó.

Gostava de desafiar as cheias com palavras escritas em suas areias. Era uma peleja grande. Mal terminava as frases, eram apagadas pelas águas. Dava uns passos para trás e reescrevia o que pensava que teria feito e inventava outras palavras. As águas me empurravam para casa e eu me frustrava por não ter onde escrever as palavras.

O caderno era para as atividades da escola. Não havia espaços para outras invenções. Eram as areias que me socorria para escrever minhas poesias. Às vezes pensava que as águas não gostavam de poesias e não me queriam nas areias do rio. Outras, imaginava que as águas tinham sede de palavras porque as devoravam assim que eram escritas. Também achava as águas egoístas. Elas não deixavam sequer uma poesia para mim.

Houve um dia em que mergulhei no fundo do Poço de Sant’Ana à procura de minhas poesias que as águas do rio tinham de mim surrupiado. Não as encontrei, as águas as haviam escondido bem escondidas no santuário da serpente. Temi acordá-la e desisti de reaver meus escritos.

Fiquei imaginando um jeito de dividir os textos com as águas para que elas não ficassem magoadas comigo. E o único canto para guardá-las bem guardado foi na cabeça, onde imaginava caber tudo que inventava. Pronto, águas, podem ficar com uma cópia. A minha está na memória.

Mas, não encontrei paz para minhas palavras. Logo chegou o coração para reivindicá-las. Nele as palavras são mais bem cuidadas. São lapidadas. São acariciadas. São reinventadas.

O coração permite que as palavras sejam multiplicadas e se espalhem em busca de um novo tempo.


*Imagem do Açude de Nevinha – 05.08.2018

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