MANHÃ DE SENTIMENTOS CONTRADITÓRIOS

novembro 3, 2024

Franklin Jorge – Jornalista e Escritor No Ceara-Mirim em visita a Severina Jorge e Alzira, sua cunhada, viúva de Clóvis Cocó, que revi após alguns anos.

Franklin Jorge - Jornalista e Escritor

No Ceara-Mirim em visita a Severina Jorge e Alzira, sua cunhada, viúva de Clóvis Cocó, que revi após alguns anos. Reencontro há um tempo alegre e triste pelas boas lembranças e recordações suscitadas em nossa conversa de um tempo embora reencontrado, para sempre perdido

Severina, fragilizada pela idade, já não se lembrava de mim, mas o meu filho - que ela via pela primeira vez -, pareceu-lhe velho conhecido e insistiu nisso, pois o vira ontem ou anteontem, no Mercado do Ceara-Mirim. Achou-nos também parecidissimos a ponto de não ser possível negar que éramos, de fato, pai e filho.

Por mais que evocasse a memória do tempo em que frequentei a casa de seus pais. E da vez em que de férias, contrai caxumba e lá fiquei por quase três meses, sendo cuidado e bem tratado por sua mãe, Dona Liliosa e Dalva e do carinho paternal que Seu Damião Jorge me dispensava, ficando à noite a contar histórias do tempo em que trabalhara no Engenho Divisão, cuidando do gado, plantando capim e lidando com os afazeres do campo, instruindo-me sobre a cultura canavieira e quando o Ceará-Mirim fora próspero e quando a pobreza podia ser decente, pois havia trabalho e fartura para aqueles que se mostravam capazes de constituir e manter uma família, lutando pela vida e respeitando os costumes.

Lembrei-lhe do tempo em que no Engenho Divisão ela trabalhara de sol a sol, como tratorista, fazendo serviços que eram privativos de homens, sem desdouro para a sua feminilidade. Severina sorria e alegrava-se com essas lembranças e num dado momento intentou nos contar como o seu pai comprara essa casa, pagando-a em servidos ao seu Fiador que tinha a fama de "amarrado" aos seus haveres, herdados da Família, e explorador do trabalho alheio. História que eu ouvira contadas por Dona Liliosa enquanto a ajudava nos afazeres domésticos e cuidava da nossa comida.

Voltando ao tempo em que dirigia esse trator e arrastava durante todo o dia cargas e mais cargas de cana para serem moídas e transformadas em mel de furo e rapaduras, quedava-se Severina, em silêncio, pensando, por um bom estirão de tempo, sobre fatos que repentinamente se aclararam em sua memória já enferrujada e dissipada em nadas.

Sorriu ainda quando recordei que acobertara um namoro seu com um homem que não era do agrado de seu irmão. Damião Jorge Filho, meu colega no Colégio Comercial - ele mais velho uns dez anos do que eu e já concluinte da quarta série Ginasial e eu iniciava-me na primeira; mas não pareceu se lembrar do irmão nem que ele me introduzira no convívio de sua família sob o pretexto de receber aulas de reforço em Português, Geografia e História enquanto ele procurava incutir-me alguma coisa em Matemática.

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