Jácio e a dinastia livreira
Alex Medeiros – Escritor e Jornalista (@alexmedeiros1959) – Texto publicado na Tribuna do Norte Perdemos Jácio Torres, o cara que quando ainda garoto deu uma dimensão historiográfica e cultural a um singelo comércio de livros usados, iniciado por um tio, no velho e romântico bairro do Alecrim, lá nos saudosos anos 1970, quando as tribos […].

Alex Medeiros - Escritor e Jornalista (@alexmedeiros1959) - Texto publicado na Tribuna do Norte
Perdemos Jácio Torres, o cara que quando ainda garoto deu uma dimensão historiográfica e cultural a um singelo comércio de livros usados, iniciado por um tio, no velho e romântico bairro do Alecrim, lá nos saudosos anos 1970, quando as tribos que se reuniam na calçada do Cine São Luiz deram régua e compasso para um Torres ancestral armar banca para atender a demanda.
Tanto aqui na Tribuna quanto no Jornal de Hoje já escrevi sobre a trajetória do sebo de Jácio que ao longo das décadas se tornou uma rede de pontos com as boas e raras ofertas de livros, revistas, discos e inúmeros utensílios para todos os gostos. Naqueles anos de bazar de quadrinhos e figurinhas nas matinês e vesperais do antigo cinema, eu conheci o primeiro Torres, Jairo, amigo do meu irmão e mais velho que Jácio. Foi quando descobri a banca no canteiro.

Considero como meu primeiro emprego a Farmácia Bompreço, no Centro, entre 1976 e 1978. Mas, a primeira experiência de trabalho foi mesmo em 1974, aos 15 anos, num restaurante popular atrás da banca de Jaime Torres. Com a informação do meu mano sobre a cigarreira do tio do seu amigo, passei a gastar o parco salário nas revistinhas de lá e também das barracas de rua que anos depois passaram a compor o tradicional camelódromo do Alecrim.
Poucos anos depois fui atendido pela primeira vez pelo jovem Jácio Torres (já contei essa história, aqui ou no JH) que me ajudou a completar uma coleção de 100 exemplares da revista Tex. Ele guardou a nº 1 em sua própria casa. Com ele eu adquiri também LPs de rock e da MPB nordestina que estourava nas rádios com Fagner, Alceu, Belchior, Vital Farias, Zé Ramalho, Ednardo, sem falar, evidentemente, dos discos da genial geração baiana tropicalista.

Foi o acúmulo de produtos na banca que fez o garoto Jácio armazenar excessos na casa da Rua Borborema, perto do Colégio Padre Miguelinho. A partir dali, percebeu a necessidade e oportunidade de ampliar os negócios. O tempo passou, a vida mudou, as páginas das minhas revistas amarelaram e continuei cliente e amigo de Jácio e toda sua extensão, a partir da companheira inseparável e inquebrantável, Vera, que é a dileta comadre de tanta gente.
O sebo Cata Livros virou grife underground da cidade, uma casamata da cultura, amostra grátis de academia alternativa de poetas e intelectuais que por lá transitam, numa relação que vai muito além dos aspectos loja e comércio. Devo a Jácio uma boa parte das revistas em quadrinhos que consumi na infância e resgatei nas garimpagens no sebo. Aliás, foi com Vera que consegui um modelo da minha primeira máquina de datilografia, uma Hermes Baby.

A morte de Jácio, após árdua luta contra um câncer, deixa um vazio que vai muito além do sentimento pessoal de cada amigo que ele fez e preservou. É uma perda coletiva de uma cidade que tanto acumula danos na cena cultural. Jácio Torres foi um pioneiro na cultura dos sebos, senão no sentido cronológico e histórico – posto que houve outros antes dele – mas certamente no sentido mercadológico de atender a cidade com lojas em pontos bem distribuídos.
Esta Natal dos Reis Magos que teve no passado três precursores seguindo o caminho da luz da leitura, Nicodemos, Cazuza e Tributino, deve louvores e culto a Jácio e sua trajetória. E gratidão a todos da honrada dinastia sebista.
