ESSAS MULHERES
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Escrevi sobre Rita Lee na semana passada e depois me dei conta: por que me tocou tanto a sua passagem para o outro plano? Com Elis Regina também foi assim, anos atrás.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
Escrevi sobre Rita Lee na semana passada e depois me dei conta: por que me tocou tanto a sua passagem para o outro plano? Com Elis Regina também foi assim, anos atrás. Chorei junto com todos, mas a Pimentinha teve uma morte precoce e trágica.
Enfim a ficha caiu. É que Rita Lee meio que fecha uma onda de partidas de artistas marcantes que tem acontecido ao longo da Covid e mesmo sem ter relação com a pandemia. E isso, para mim, representa perda de referências, e para a minha geração, de marcos, paradigmas. Afinal de contas os anos sessenta/setenta foram pródigos em gerar talentos em todas as áreas e na música em especial. Isso
representa ainda mais quando lembramos de quão difíceis foram aqueles anos.
O rock era tachado de coisa de malucos ou drogados. Ou as duas coisas. Li muitos absurdos nesses anos. Por exemplo alguém falando que "Alegria, Alegria", do mano Caetano fazia publicidade da Coca-Cola. Outro previa vida curta para Roberto Carlos devido a sua voz fraquinha. Nem lembro quem escreveu essas bobagens - passou. Roberto e Caetano ainda estão por aí.

E enquanto isso uma dura ditadura se instalava no Brasil, rolava uma guerra cruel no Vietnã, o mundo estava dividido entre duas potências nucleares, o que nos ameaçava a qualquer momento com bombas nas cabeças, talvez por isso tudo tão descoladas. Em Paris os jovens pichavam as ruas com slogans supercriativos: é proibido proibir, por exemplo. As mulheres nos EUA queimavam seus sutiãs e
liberavam os seios e em Woodstock a garotada mostrava que era possível viver em paz e liberdade.


As mulheres têm, evidentemente, um papel importante nisso tudo. Janis Joplin cantava com a alma e a garganta. Em Mercedes Benz ela cobra, irônica e ferina: Oh, Senhor, meus amigos dirigem porsches, o senhor não vai me comprar uma Mercedes Benz?
Tina Turner, the best, que aliás também se foi dia 24, teve uma vida dura e superou tudo. Elis Regina foi a intérprete de um Brasil de contradições, e cantando Como Nossos Pais nos fazia arrepiar. Gal Costa dia desses também pegou esse vapor barato e viajou. Mas antes foi a musa de todos nós, com a voz absurdamente linda e uma postura independente que influenciou muita gente. Se duvidam, vejam Gal a
Todo Vapor e se deslumbrem.

Se acharam que eu ia esquecer Elza Soares, nem pensar. Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí, com a voz rasgada, cantando sempre ousada A carne: A carne mais barata do mercado é a carne negra/ Que fez e faz história/ Segurando esse país no braço.
Não posso deixar Leila Diniz fora disso. Seu comportamento livre de amarras de qualquer tipo, sua liberdade em tempos bicudos, sua entrevista ousada para o Pasquim, seu atrevimento, enfim, marcou aqueles anos. a ponto de Rita Lee cantar “toda mulher quer ser meio Leila Diniz”.

São tantas. São belas. São mulheres. Gente esquisita que todo mês sangra. São poetisas, escritoras, Lispector, Coralina, Raquel de Queiroz, Eneida. Artistas tipo Pagu.
Na terrinha, dona Miriam Coeli, talento e coragem. Zila Mamede, em seus Navegos, talvez a nossa maior poetisa.
Recuando no tempo, Auta de Souza, Nísia Floresta Brasileira Augusta (vejam lá, autoridades, cuidem do seu túmulo).

Sei que estou omitindo muita gente. Fazer o que? Foi uma relação feita pelo instinto
e emoção. E em feitio de oração, como diria Noel Rosa. Todas, a seu modo, foram exemplo de resistência e muita, muita coragem, espíritos fortes em corpos frágeis. Meus respeitos