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maio 1, 2022

Elas só querem os meus dados

Leo Aversa – O Globo (Texto enviado pelo leitor Aluísio Lacerda) A moça, com a naturalidade dos seus 20 e poucos anos, me pede o número do celular.

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Leo Aversa - O Globo (Texto enviado pelo leitor Aluísio Lacerda)

A moça, com a naturalidade dos seus 20 e poucos anos, me pede o número do celular.

Devo confessar ao leitor que sou um tímido, ainda mais no trato com as mulheres. Sim, fiquei constrangido com o pedido. Fazer o quê? Sou do século passado e perguntar o número do telefone ainda me parece um movimento ousado, que exige um certo clima, para não falar de preparação.

A moça não parecia se importar muito com as minhas questões tão abstratas quanto ultrapassadas. Repetiu o pedido, de forma mais enfática.

— Qual o seu telefone?

Constrangido, dei o número para a caixa da farmácia. Não é a primeira vez. Devo dizer que tenho feito muito sucesso entre funcionárias do comércio. Não sei se o meu sex appeal sui generis achou — finalmente — o seu público ou se temos uma epidemia de curiosidade telefônica no Rio. É um mistério.

Como não só querem saber o meu telefone como também o CPF, o endereço e o RG, devo considerar outra possibilidade, bem menos romântica: elas só querem usar os meus dados. Dizem por aí que são vendidos a terceiros, que os usam para marketing. São vozes maldosas: não imagino grandes empresas se utilizando de um truque tão baixo e rasteiro para ganhar em cima dos seus clientes.

Fiquei desconfiado, mas deve ser apenas maldade alheia. O fato de receber inúmeras ligações de telemarketing logo depois de ceder o meu número pode ser apenas coincidência. A empresa de TV a cabo, a operadora de celular, a corretora de seguros, todos eles devem ter encontrado meu telefone por acaso, abrindo uma página aleatória numa lista telefônica antiga. Não deve ter nenhuma relação com a moça que pediu os meus dados.

Para evitar qualquer suspeita, perguntei à caixa o motivo de ela perguntar pelo meu telefone.

Para poder oferecer o desconto, respondeu.

Fiquei com a pulga atrás da orelha, já que a aspirina que estava comprando tinha um preço normal. De quanto é o desconto? perguntei. Com o cadastro, o produto sai pela metade, respondeu. Estranho... Estaria eu pagando metade do dobro? Tipo Black Friday?

Em todo caso, me deixou satisfeito descobrir que o telefone é apenas uma desculpa para que a benevolente drogaria me ofereça descontos e promoções. Se tem uma coisa que admiro é a generosidade desinteressada, ainda mais de grandes empresas. Pensei até em voltar com o número de passaporte, a certidão de nascimento, e, claro, todas as senhas bancárias, que é para ver se conseguia mais um ou dois reais de desconto. Não se pode perder um grande negócio.

No shopping, na rua, em qualquer loja on-line nos convocam a preencher extensos cadastros. Ao que parece, é impossível vender uma mariola sem todos os dados pessoais do comprador. Nas semanas seguintes, mais spam, mais ligações de telemarketing. Pura coincidência. Só pode.

Comentei o assunto com a minha mãe, que é bem mais pragmática e direta que eu e muito mais do século passado. Ela me deu um sermão, desta vez sobre deixar de ser otário, não confiar em pessoas desconhecidas, em empresas boazinhas e muito menos em sirigaitas que pedem telefone do nada. A bronca me deixou abalado. Tanto que passei a colocar o telefone dela nos cadastros.

Tô até com pena do telemarketing.

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