É mesminho que gente

maio 25, 2025

Alex Medeiros – Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte A perfeição anatômica dos bebês reborn não é novidade.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte

A perfeição anatômica dos bebês reborn não é novidade. Novo mesmo é o surto dessa patologia pós-pandemia e pós-vacina que levou milhares de malucos a confundirem bonecos com gente e tratá-los como filhos. Há mais de vinte anos que existem bonecas perfeitas, de silicone e outros produtos, que avolumaram o mercado dos brinquedos eróticos. E bote volumes nisso.

Nem é de hoje que coisas inanimadas como bonecos, estátuas e robôs guardam semelhanças materiais com pessoas. Na época do Renascimento, as esculturas de deuses e heróis moldadas em mármore geraram o termo “em carrara esculpido” que gerou versões como “encarnado e esculpido” e o popular “cagado e cuspido”, para demonstrar aparência com as pessoas.

Lembrem que a Bíblia diz que o primeiro ser vivo foi construído com barro e um sopro, na autoria de quem os cristãos chamam muitas vezes de arquiteto ou escultor do universo, que também fez gente virar estátua de sal em Sodoma.

Na literatura de Monteiro Lobato os habitantes de um sítio convivem com uma boneca de pano e uma espiga de milho que se tornaram gente. No cinema, Tom Hanks desenhou rosto numa bola e conversou com ela na sua solidão.

As meninas nas décadas de 1960 e 1970 sonhavam ganhar de Papai Noel bonecas de plástico ou borracha que choravam e mexiam as pálpebras. E os adultos prenhes de razão remota comentavam “benza deus” pela formosura.

Depois vieram bonecas andando, falando “papai” e “mamãe” (alô, Papa Leão) e com roupas e acessórios de maquiagem em anexo para a produção cosmética das garotas. Muitas mantiveram suas bonecas no casamento.

Houve a fase das bonecas infláveis para uso sexual, em que havia preliminares obrigatórias para enchê-las de ar. Só depois de botar a boca era possível outras ações. Até já contei sobre a disputa de dois irmãos por uma delas.

Já as “sex dolls” com tecnologia termoplástica, feitas de silicone e com esqueletos metálicos, são vendidas hoje a preço de um automóvel. Não são poucos os seres humanos que moram e convivem com um (a) boneca (o).

Há registros históricos de bonecas de madeira e tecido na Idade Média. Os bebês reborn de hoje são sucessores das bonecas de plástico da primeira metade do século XX que geraram os modelos com nomes de mulheres.

Há um causo que dizem ter ocorrido no sertão potiguar, lá no começo dos anos 1940, de uma jovem que foi para São Paulo ganhar a vida e após dois ou três anos veio visitar a família, trazendo presentes e uma boneca para uma irmã.

Entre os tecidos para a mãe e chinelos e sapatos para o pai, o que chamou mais a atenção foi a boneca, que atraiu a curiosidade da vizinhança e logo estava na boca do povo da cidade. Todos diziam “é mesminho que gente”.

A percepção de semelhança humana do brinquedo fez o pai ir até à igreja do lugar para batizar a boneca. O padre reagiu, explicando que aquilo era um objeto inanimado, que não poderia abençoar ou batizar um pedaço de plástico.

O homem esqueceu a própria fé e rebateu o vigário: “Não batiza porque sou preto e pobre, porque se fosse um filho de Seu (Fulano…) o senhor batizava como já batizou bem uns cinco. E nenhum parece gente como a boneca”.

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