Dos armários da terapia
Alex Medeiros – Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.com ]
Zelião nasceu José Leão Dantas Pereira, os dois últimos sobrenomes da genealogia advinda de duas serras, a de São Bernardo e a de Santana, e o primeiro uma invenção do pai quando festejou um moleque na prole de tantas meninas, suas leoazinhas e tigresas.
Cresceu forte como o dito rei da selva, tangendo gado na caatinga, mergulhando nos açudes, quando água tinha franca, e expiando os lances da mulherada na lavagem de roupa dos riachos. Caçava passarinhos e jogava futebol na quadra esburacada da escola.

Aos 17 e poucos meses saiu do sítio e foi pra cidade, na casa de uma tia, para fazer o alistamento militar. Ficou onze meses exibindo orgulhoso a farda de soldado e ao fim do serviço patriótico obrigatório se danou para Cabedelo, na Paraíba, para trabalhar.
Aprendeu rápido o ofício de servente de pedreiro e depois de zil horas de batente botou na cabeça o desejo de um dia se tornar mestre de obra, e se casar. Galgou alguns degraus na escada do futuro conseguindo um emprego numa grande obra da capital, um condomínio para a classe média de João Pessoa.
Foi lá que conheceu Goreth Souza, de quem se enamorou no primeiro passeio ao Tambiá Shopping Center. Ao longo de oito meses de paixão, duas coisas em Zelião foram minando os encantos da garota.
O rapaz não queria conversa sobre retomar os estudos, interrompidos ainda no primário, em Serra Negra, e só pensava em tirar a calcinha da moça, em atos compulsivos.

Desarnada num diploma de segundo grau do supletivo em Juripiranga e antenada no mundo com uma página no Facebook, Goreth queria muito mais do que alguns amassos, e tratou de combater diuturnamente os deslizes cognitivos e sexuais do namorado.
Sua reação, ao invés de arrumar, complicou mais o apoquentado Zelião, que nos refugos dela passou a buscar alívios imediatos nas meninas de aluguel de um famoso cabaré das redondezas da obra. Torrava boa parte do salário ali.

Não satisfeito, ainda investia em presentinhos para as diaristas da vizinhança, que aqui e ali acabavam caindo nos seus braços. O cara era um amante insaciável, uma versão nordestina de Garrincha não apenas na bola e nos passarinhos.
Apesar de tudo, o casamento com Goreth aconteceu com fartura de cerveja e feijoada num fim de semana inteiro. A lua de mel foi em Natal, numa pousada na Praia do Meio, presente dos amigos da obra e com gorda participação do empreiteiro.
Depois do recreio na capital potiguar, a volta para João Pessoa levou a felicidade matrimonial para o pequeno lar, mas só por dois meses. Logo, lá estava o pedreiro cavalgando putas e ensaiando desculpas as mais esfarrapadas para não estudar de novo.
O casamento foi ficando insuportável, os amigos foram se afastando por dar razão à sua mulher e ouvirem os mais horríveis desaforos; as tarefas na construtora foram sendo feitas pela metade. Era preciso uma providência para não perder as três coisas.
Foi um primo dele, dentista respeitado, em Mossoró, que estava curtindo feriado em João Pessoa, quem o procurou para tentar uma solução e evitar o pior. A velha mãe, em Cabedelo, fez o apelo por telefone ao sobrinho, um parente exemplar.
Três ou quatro cervejas e uma boa conversa, e o dentista convenceu Zelião a buscar auxílio na ciência para se curar da compulsão. Sem plano de saúde, conseguiu vaga na terapia de grupo de uma faculdade pública, sessões no final das tardes de segunda-feira.
No primeiro dia, entrou calado e saiu mudo, assustado com as conversas do terapeuta e ainda mais com os relatos dos outros pacientes, que ele achou um bando de malucos. Mas passou a sessão fitando uma morena que também não disse nada no momento.
Veio a segunda reunião e Zelião foi instado a dizer qual era e o seu problema. Disse o nome todo, mas insistiu por duas vezes que não tinha nada demais, não. E que era só besteira da mulher dele e dos familiares. E ouviu atento o nome da morena: Daniela.
Na terceira sessão, foi disposto a falar e ouvir todos os problemas. O grupo todo falou: “sou jornalista e fiquei paranoico”; outro, “sou sociólogo e alcoólatra”; mais outro, “sou professor e esquizofrênico”; até que chegou a hora de Daniela falar seu problema.

“Oi, gente, eu sou cantora de uma boate aqui perto e meu problema é que toda hora eu só penso em pegar uma mulher, arrancar suas roupas, beijá-las inteiras e fazer amor, eu sei que sou lésbica e quero me sentir bem com isso”. Zelião congelou, arregalado.
Quase não ouviu quando o terapeuta chamou seu nome duas vezes: “Por favor, seu Zelião, diga sua profissão e conte seu caso”. Aprumou-se na cadeira, olhos na morena, e tascou: “Até agora eu era servente de pedreiro, mas tô achando que sou lésbico”.
Texto publicado na Tribuna do Norte