Dona Nenzinha

fevereiro 2, 2025

Alex Medeiros – Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte Creio que foi o jornalista Paulo Francis, num raro surto de doçura, quem disse que, ao criar o mundo deus percebeu a dificuldade que teria na onipresença e então inventou as mães.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte

Creio que foi o jornalista Paulo Francis, num raro surto de doçura, quem disse que, ao criar o mundo deus percebeu a dificuldade que teria na onipresença e então inventou as mães. Bom, só posso constatar divindade na maternidade pela experiência própria. Minha mãe, Dona Nenzinha, foi uma santa durante todos os 73 anos em que esteve iluminando com sua bondade e apascentando com sua fé cada uma das pessoas sob a estufa do seu amor.

Os quatro filhos foram a sua prioridade, viveu e até se anulou para dedicar total atenção a todos, transferindo depois – sem nenhum grau de diferença – a mesma entrega para os netos. E como sobrava delicadeza, distribuía com parentes, noras e vizinhos.

Filha de Santana do Matos, nasceu homenageando o santo dos humildes no batismo e no registro do cartório, Francisca das Chagas Pereira. Ainda adolescente, ligou-se para sempre a um soldado curraisnovense anistiado por Getúlio Vargas pós-Intentona 1935.

Protegida na sombra masculina do meu pai e estimulada pela paixão primeira, deixou a casa materna e foi fazer vida em Ceará-Mirim. Quando estourou a Segunda Guerra, já estava em Natal, o marido de volta às funções militares.

Superou as ausências forçadas do seu homem e soube manter o equilíbrio diante do pavor que seu desconhecimento da vida lá fora impunha nas noites em que soldados americanos sugeriam pouca luz nas residências.

Mais de uma década após o casamento, a realização enfim do primeiro filho, na aurora dos gloriosos anos 50. A partir dali começava a grande trajetória da enorme mulher que ela seria até morrer. Surgiu a mãe santíssima que ela soube ser.

Eu cheguei no crepúsculo da mesma década, em 1959, oito anos depois do mano Graco, num parto que de tão normal ela considerou uma hora mágica e feliz. Berrei na tapa do médico às 18h, o momento que ela celebrava sua fé na “hora do anjo” no rádio.

As duas irmãs, Lana e Zorilda, viriam no princípio dos anos 1960, quando minha memória guardou as primeiras lembranças da infância na casa da Rua Padre Calazans, pertinho da Igreja do Galo.

A presença de minha mãe, insistentemente preparando os caminhos para quando eu entrasse numa escola, foi essencial para os rumos que tomei na vida. Tudo complementado pelo incentivo à leitura que papai dava com HQs.

Em Santos Reis, mamãe me colocou numa das palhoças do programa da prefeitura “De pé no chão também se aprende a ler”. Ficava na curva de acesso ao bairro, de frente à Rampa, onde fui com meu pai alguns domingos assistir corrida de kart.

Quando fomos para as Quintas, a partir de 1969, o mundo se abriu em amplitude, a partir das incursões de mamãe para encontrar uma escola que eu pudesse ir e voltar sozinho. Saí do grupo João Tibúrcio, no Alecrim, e entrei no Felizardo Moura.

A Rua Mário Negócio foi minha primeira avenida, minha de verdade, posto que a Rio Branco e a Deodoro – que eu já conhecia – eram domínios dos meus pais e do meu irmão que me transportavam nos passeios da primeira infância.

Fiz o percurso de casa para o grupo escolar duas vezes com mamãe, a primeira para a entrevista com a diretora em busca de vaga e a segunda no momento inaugural e último reconhecimento do terreno. Foi a rua do mundo que a santa abriu pra mim.

Depois, sempre preocupada com o futuro temeroso, inscreveu-me nas aulas de datilografia da professora Maurina. Minha mãe, com o zelo das mãos de santa, levou-me ao lugar que acabou fazendo dos meus dedos minha profissão.

No domingo, 26/01, faz 32 anos que ela partiu. Devo muito a ela pelo homem que me tornei. A saudade jamais será maior que o amor que me foi dado pela mulher que alguma força sobrenatural do universo transformou em minha mãe.

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