Deus, Pátria e família? Hora de reaver essas pautas da hipocrisia da extrema-direita

dezembro 1, 2024

Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor – Texto publicado no Portal Saiba Mais Chamou minha atenção uma declaração recente de Vera Paiva, filha de Rubens e Eunice Paiva (o casal retratado no filme ‘Ainda estou aqui’) no programa de tv Altas Horas: “Minha mãe foi à missa até o último dia do Alzheimer.

Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor - Texto publicado no Portal Saiba Mais

Chamou minha atenção uma declaração recente de Vera Paiva, filha de Rubens e Eunice Paiva (o casal retratado no filme ‘Ainda estou aqui’) no programa de tv Altas Horas: “Minha mãe foi à missa até o último dia do Alzheimer.  Meu pai convivia com as posições mais diferentes e debatia. Gostaria que as pessoas pensassem nisso ao ver o filme. Nós também somos religiosidade, família e pátria”.

Achei um recorte muito bem colocado diante de tantas e tantas temáticas e possibilidades do filme (e do livro de Marcelo Rubens Paiva) que conta a história real do deputado Rubens Paiva, que durante a ditadura militar no Brasil foi levado de casa pela polícia e desapareceu, levando Eunice, a esposa, a tentar encontrá-lo e denunciar a situação, enquanto tinha de cuidar dos cinco filhos do casal. Como se sabe, Rubens foi assassinado pela ditadura.

A frase de Vera joga luz em um aspecto interessante: que militantes de esquerda não entram necessariamente nos clichês produzidos pelos adversários, como pessoas necessariamente iconoclastas, ateias e comunistas-marxistas. Na verdade, arrisco a dizer que essas chegam a ser exceção. Esquerdistas são e sempre foram, para usar o jargão, gente como a gente, como mostra a primeira parte de ‘Ainda estou aí’, enfatizando Rubens na praia, diversão com os filhos, jantares e conversas em família.

Essa narrativa é importante porque sabemos que esses termos (tanto ‘Família’, como ‘Deus’ e ‘Pátria’) foram sequestrados pela extrema-direita nos últimos anos, com tal força e violência que passaram a ser ‘donos’ dessa pauta, tentando (e muitas vezes conseguindo) firmar no imaginário popular a polarização de que enquanto a direita se preocupa com esses ‘valores’ a Esquerda quer destruir a ideia de Deus, abolir a família e desprezar a Pátria, e sem esses valores morais, tudo viraria uma confusão, uma putaria mesmo, para ser direto e objetivo.

Mas a premissa da extrema-direita, mais que tendenciosa e inconsistente (por não abarcar as complexidades do mundo e das relações) é hipócrita, na verdade, mentirosa mesmo. Porque quase sempre não passa de ‘jogar para a plateia’ porque os militantes direitistas pouco ou nada vivenciam o que apregoam. O que vale para as multidões (segundo pastores evangélicos e líderes políticos) quase nunca vale para eles próprios.

Exemplos bem práticos não faltam. recordo que na eleição presidencial de 2018, auge da polarização político-ideológica, Bolsonaro, com seus cinco filhos com três mulheres diferentes, representava a família convencional do imaginário judaico-cristão, enquanto Fernando Haddad, casado com Ana Estela desde a juventude e com seus dois filhos desse único matrimônio, era associado à famigerada mamadeira de piroica e kit gay, invenções da direita, claro, para estigmatizar a esquerda e ter dividendos eleitorais (como foi o caso). 

Na minha caixinha de rancores, recordo do amigo que no mesmo ano de 2018 acusou uma postagem minha de ser pornográfica e que eu não respeitava famílias ou crianças. Esse mesmo amigo à época não pagava a pensão da filha, a quem raramente via, e hoje, desfeita a amizade virtual e real, soube que ele engravidou uma mulher mesmo tendo um relacionamento com outra. Fui stalkear o sujeito e lá estavam as postagens criticando Lula e louvando o mito. Como dizem, nunca falha.

Enfim, existem esquerdistas ateus marxistas ortodoxos, sim, como esquerdistas cristãos (católicos e evangélicos). Como existem militantes de esquerda que acreditam e gostam da dinâmica convencional de família. A questão é que ideologicamente os progressistas não dizem como a pessoa deve se comportar ou pensar. Já a extrema-direita adota um modelo rígido de pensamento e comportamento. Que ela mesma não cumpre. Um dos desafios da esquerda para 2026, para além da questão econômica (leia-se, comida na casa das pessoas) será resgatar essas pautas (Deus, Família e Pátria) das mãos dos extremistas. Vera Paiva pode ter aberto a Caixa de Pandora para isso. Sigamos.

Uma resposta para “Deus, Pátria e família? Hora de reaver essas pautas da hipocrisia da extrema-direita”

  1. João Maria Pereira disse:

    Infelizmente, uma minoria, que tem seus direitos, age como se fosse maioria e muitas vezes quer impor um ideário woke aos demais, como se ser hetero fosse uma afronta.

    Não sou de esquerda e discordo da extrema direita, pois ambos os lados viraram maniqueístas a ponto de agirem como se existisse apenas Lula e Bolsonaro, e cada um desses com suas pautas.

    Eu creio ser possível uma terceira via e tanto esquerda como direita precisam entender que há pessoas que pensam diferente deles e que precisam ser respeitadas.

    O colunista diz: “. A questão é que ideologicamente os progressistas não dizem como a pessoa deve se comportar ou pensar”. Permita-me discordar, mas há ambientes nos quais seu pensamento é imposto. Vá nas universidades e veja se alguém pode falar fora da cartilha woke e espere para ver o que acontece. Muitos alunos e professores que pensam diferente são perseguidos e agredidos de várias formas.

    Queria ver na universidade a união das diversidades. Mas hoje quase não é possível haver diversidade no ambiente acadêmico. Parece que só pode existir um lado. Queria ver a possibilidade de cada um poder falar o que pensa e ser respeitado. Os progressistas têm seus direitos mas precisam aprender a respeitar o direito dos outros. Devo respeitar os progressistas por serem também sujeitos de direito, mas a recíproca não é verdadeira. É imposto um ideário e ideias adere a elas quem quer. O perigo é quando o Estado cede a algum desses lados e quer impor um ideário aos outros cidadãos.

    Aí de repente alega-se lugar de fala, direito de expressão, sem permitir que quem pensa diferente possa se expressar. E ao invés de rebaterem as ideias contrárias passam a agredir as pessoas que externam suas ideias.

    Precisamos ter respeitada a ideia e o o direito de cada um se expressar e não somente dar esse direito a quem pensa como eu.

    O colunista expressou aqui seu belo texto. Discordei de alguns pontos. Mas, faz parte. Tem direito de expressar o que pensa e eu devo respeitar. Por sinal uns doa bons colaboradores deste blog. E gostaria que assim fosse em todos os ambientes,. especialmente o acadêmico,.mas neste a coisa desandou, infelizmente, para um único tipo de discurso. Que volte a diversidade e a possibilidade de cada um falar o que pensa, lembrando de não de extrapolar seus direitos desrespeitando o direito dos outros.

    Cefas, concordo também com sua posição de que DEUS, pátria e família não têm donos. Tanto direita quanto esquerda tem pessoas que podem comungar de crenças e valores comuns. E está tudo bem! Concordo também que muitos defensores desse trio de palavras na prática são hipócritas, falando da boca pra fora sem viver na prática o que essas palavras representam. Você foi no cerne de uma realidade que muitos precisam acordar. Como diria CRISTO, alguns realmente são sepulcros caiados. Brancos por fora e podres por dentro.