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agosto 14, 2022

COISAS DO FUTEBOL

  Nilo Emerenciano – Arquiteto e Escritor   Sou filho de radialista esportivo.

[caption id="attachment_73644" align="alignnone" width="735"] Erivan, Sabará, Telino, Edson, Maranhão e Anchieta (em pé); Libânio, Alberi, Jorge Demolidor, Danilo Menezes e Morais (agachados): O time do ABC tetracampeão em 1973 (Foto: Ribamar Cavalcante/Arquivo Pessoal)[/caption]   Nilo Emerenciano - Arquiteto e Escritor   Sou filho de radialista esportivo. Meu pai foi fundador da  Associação de Cronistas Esportivos do RN - ACERN,  juntamente com Aluízio Menezes e outros abnegados. Por conta disso frequentei o  estádio Juvenal Lamartine desde criança, levado pelo meu pai, e assim conheci também os próceres da crônica esportiva da cidade.  João Machado, Mirocem Ferreira Lima, Zé Lira, Almeida Filho, Rubens Lemos, Boanerges Soares, Jáder Correia, Hélio Câmara. Vi também Juraci Vieira e Celso Martineli. Meu pai mantinha uma crônica diária na Rádio Poti chamada 'Tiro Livre', a Crônica de Amaury Dantas. Meia hora antes do programa ir ao ar ele sentava frente a Remington, colocava duas folhas de papel e carbono e de uma só tirada escrevia o texto a ser lido logo em seguida. Eram outros tempos, claro. O futebol era mais simples, os treinadores eram da terrinha e as rivalidades eram apenas regionais, tipo o Campinense e o Treze de Campina Grande, e o Potiguar de Mossoró. Os jogadores vinham do bairro das Rocas e do Alecrim, Cocó, Piaba, Saquinho, Pancinha, Talvanes, José Gobat. Jorginho era funcionário dos Correios. Véscio trabalhava em banco. Somente de vez em quando um time do Rio de Janeiro aparecia por essas bandas. Vi o Flamengo, o Fluminense de Samarone, O Botafogo de Manga, Garrincha vestindo a camisa do Alecrim. Vi também a seleção da Romênia que iria fazer um bom jogo na Copa de 70 enfrentando a canarinho. E, acreditem ou não, vi até uma tourada ali na grama rala do JL. Nesse tempo os jogadores eram vaiados quando atrasavam a bola para o goleiro. Nada parecido com as atuais táticas que fazem os times jogarem como no futebol de salão, aquela troca interminável de passes entre zagueiros e goleiro. Chega ao cúmulo de, às vezes, o jogador de frente desistir de tentar algo ofensivo e retornar a bola para o volante, do volante para o zagueiro e do zagueiro a pelota ir parar de volta nas mãos do goleiro que hoje é obrigado a usar os pés como se goleiro não fosse. E quantas falhas temos visto redundar em gol por conta dessa prática perigosa? E os juízes, aliás, árbitros? São provocados, desrespeitados e xingados constantemente. Não sei, mas lembro Armando Marques (com seus erros e gestos afetados) impor respeito, até frente ao rei Pelé. Aqui em Natal apenas uma vez o zagueiro Piaba, um avantajado arranca-toco, correu atrás de Luís Meireles, o 'cobra preta', que bateu o recorde dos 100 metros rasos ali nas quatro linhas (êpa!)  do estadinho do Tirol. [caption id="attachment_73643" align="alignnone" width="728"] Pelé era um atleta disciplinado, mas na foto aparece discutindo com o árbitro Armando Marques Foto: Domício Pinheiro/AE[/caption] Havia os apelidos maravilhosos. Jogadores hoje usam nome e sobrenome. Rogerio Ceni, Felipe Luís, William Arão, Renato Augusto, Everton Ribeiro. Viva os nomes, ou apelidos, dos jogadores das antigas! Cocó, Buru, Biró, Miro Cara-de-Jaca, Burunga, Badidiu, Jacaré, Bagadão. Bagadão, aliás, ao jogar no Maracanã, sofreu bullying de um narrador da Globo, o tempo todo tirando onda com o nosso craque. Não sabia que Bagadão fora autor do gol heroico pelo América, quando em 1967, contra o Riachuelo, machucado, se arrastando em campo, decidiu o jogo num belo chute que deveria ter merecido placa ali no campinho do Tirol. [caption id="attachment_73641" align="alignnone" width="713"] América Futebol Clube – Natal – RN – campeão potiguar de 1974 - Foto: História do Futebol[/caption] Não havia essa sopinha de se fazerem cinco substituições, ou seja, meio time, durante o jogo. São substituições em massa. Antes jogador machucado era uma baixa. Lembram Pelé, em 1962? Ficou claudicando em campo contra a Tchecoslováquia, fazendo número, apesar de haver sofrido uma séria distensão muscular. Depois criaram a regra três para essas eventualidades. E agora nossos muitíssimo bem remunerados jogadores não aguentam pouco mais que os 45 minutos iniciais. [caption id="attachment_73645" align="alignnone" width="728"] Jogadores do elenco da Seleção Brasileira de 1970, que conquistou a Copa do Mundo naquele ano.[/caption] Em 1970, João Saldanha fez os craques da seleção cortarem os cabelos. Alegou que queria “feras” em lugar de jogadores e que os cabelos black power atrapalhavam o cabeceio.  Ganhamos a copa já com Zagalo no comando. Imagino o que ele diria desses penteados e coloridos exóticos dos craques, sem falar nas tatuagens e diademas. Pra que vocês imaginem, o grande Heleno de Freitas, por causa de seu temperamento explosivo, ouvia o coro da torcida gritando: Gilda, Gilda, sempre que tocava a bola. Nenhum desses aguentaria o tranco do Estádio Senador João Câmara, nas Rocas. Ali, onde do pescoço pra baixo valia tudo, neguinho que aparecesse com o cabelo pintado corria o risco de aparecer três dias depois no Canto do Mangue, desmemoriado, brincando de bambolê e cantando Babalú no bar do Pernambuco. Fazer o que? Cada época tem o futebol que merece. Quem viu Rivelino, Zico, Reinaldo, Pelé, Paulo César Caju, ou mesmo Alberi e Marinho Chagas em ação, tem hoje que se contentar com esse futebol quadrado do Palmeiras ou aceitar Hulk como craque. Resta o Flamengo, que ganhando ou não, joga bonito e tem um carinha chamado Arrascaeta que alegra nossas tardes de domingo.        

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