CHÃO, PÓ, POEIRA E TIROTEIOS
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Didiu é um faz tudo que volta e meia aparece aqui em casa procurando serviço.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
Didiu é um faz tudo que volta e meia aparece aqui em casa procurando serviço. Gosto de conversar com ele porque sempre tem umas coisas engraçadas.
Dia desses falando de um colega com problemas conjugais fechou o assunto com uma afirmação drástica: - Priquita, seu Nilo, só tem mesmo é fama!
Fiquei a pensar nessa frase de Didiu. Muita coisa por aí, na verdade, só tem fama, construída pelos que tem acesso aos meios de comunicação. Faça fama e deite na cama, é um aforismo antigo. Alguns invertem a ordem e se deitam na cama pra fazer fama, se é que vocês me entendem. Mas vamos ao assunto.
Com a atenção voltada para os resultados do Oscar, torcendo feito menino besta pela nossa linda, inteligente, elegante e talentosa Fernandinha Torres, me vi visitando sites, canais, links ou coisa que o valha, especializados em cinema. E então uma notícia me incomodou. Os 60 anos do lançamento do faroeste "Por Um Punhado de Dólares" (1964), que reuniu o trio Sergio Leone (na direção), Clint Eastwood (como o pistoleiro sem nome) e Ennio Morricone, autor da ótima trilha sonora, sendo saudado como um cult, um dos melhores filmes de bang-bang da história do cinema.

Qual o problema, tio Nilo? O problema? Ora, me poupem. Fui menino de frequentar as matinês do cine Rex, os seriados das manhãs dos domingos, as sessões contínuas do cine Poti, além de tudo que passasse no cine Rio Grande e até no único cinema climatizado da época, o Nordeste. Sim, era o que hoje chamam cinemas de rua.
Vi tudo que pude ver. Me considero um expert. Passei a fase do que chamávamos filmes de capa-espada (Os Três Mosqueteiros sendo o máximo), depois a dos brutamontes (Hércules, Brutus, Maciste), e aí surgiu no horizonte do cinema Rex o filme Django. Sucesso entre a rapaziada. Fui ver e não gostei. Fora a música, que André Silva ia na minha casa ouvir repetidas vezes para decorar o inglês e cantar na Sabatina da Alegria, achei tudo o mais uma droga.

Um cara que aparece não se sabe de onde, carregando um caixão de defuntos que no final se descobre transportar uma metralhadora daquelas da guerra civil americana e aí mata todo mundo. Claro, eu era acostumado com heróis tipo Roy Rogers, Zorro, Rock Lane, Monte Hale, Hopalong Cassidy e de repente me surge aquela assombração. E afinal, Django era nome de gente? Aliás, sabem o nome do pistoleiro vivido por Clint Eastwood na trilogia dos dólares? Manco. Isso mesmo, Manco. Dá para levar a sério alguém chamado Manco?
Daí foi uma enxurrada de filmes do que passou a se chamar faroeste espaguete, já que eram produzidos na Itália. Lixo, a meu ver. Franco Nero, Giuliano Gemma, Terence Hill, queriam competir com Gary Cooper, Randolph Scott, Glenn Ford, James Stewart, John Wayne e Henry Fonda? Nem pensar.
Mas tenho cabeça aberta e fui rever a considerada maior da obra de Sergio Leone, "Era Uma Vez no Oeste" (1968). Quem sabe eu não fazia avaliação errada, fruto do meu preconceito americanalhado? Fiz pipoca, organizei o meio campo e mandei lenha. Afinal era Carnaval e uma virose me prendia em casa. O máximo a perder seriam o desfile da Mangueira e as minhas convicções.

Mas qual! Não consegui ir muito longe. Aquelas cenas arrastadas, as caras e bocas caricatas, os detalhes gratuitos e sem graça, como por exemplo, Charles Bronson aparecendo por trás do trem, tocando uma gaitinha sem ver nem para que. Os longos silêncios.
Enfim, o conjunto da obra me lembrou o porquê de eu não ter gostado há tantos anos. Clássico? Cult? Inovador? Só se for paras as negas de quem acha. Garoto, não aguentei. Adulto, continuo a achar insuportável tudo aquilo.
Posso enumerar dezenas de bang-bangs melhores, muito melhores que a trilogia dos dólares. A começar por No Tempo das Diligências (1939). Depois, O Homem que Matou o Facínora (1962), ambos com John Wayne. Já vi vezes sem conta Matar Morrer, com Gary ₢ooper e a belíssima Grace Kelly que viria se tornar rainha de Mônaco.

Os Brutos Também Amam (1953) é filme para ver e não esquecer. Conta com elementos tais como o pistoleiro solitário que ao final parte em direção ao poente, sem família ou amigos, mas que na sua passagem muda a vida senão do mundo, pelo menos de uma família simples de fazendeiros. Perfeito. A trilha sonora, o vilão, Jack Palance, o garoto, a mãe encantada, o maridão rude. Perfeito. E a música, belíssima. Quem não viu vá lá no You Tube. Chama-se Shane, aliás, o nome do mocinho.
"Meu Ódio será sua Herança" (1969), de Sam Peckinpah, exacerba a violência, mas obedece a uma certa estética que depois Quentin Tarantino levaria aos limites. Duelo de Titãs (1959) de John Sturges, que reúne Anthony Quinn e Kirk Douglas é simplesmente demais. Começa de forma brutal. Uns sem noção estupram e matam a mulher do xerife da cidade vizinha. O estuprador é filho de um homem que manda
em tudo e em todos, velho amigo do xerife. Pois é. O homem da lei vai até a cidade, captura o rapaz criminoso e enfrenta a cidade e os capangas do ex-amigo. O final, claro, vai envolver um duelo entre os dois protagonistas na plataforma do trem. Genial.

Um Homem Chamado Cavalo (1970) e Dança com Lobos (1990), dirigido por Kevin Costner, fecham minha lista. Brilham por mostrar a vida das tribos das planícies pelo lado de dentro.

Em tempo: Hombre (1967) de Martin Ritt, com Paul Newman no papel título não poderia ficar de fora dessa mal traçada lista. Pra mim foi uma paulada quando vi, e mais ainda ao ler o livro de Elmore Leonard. Ah, então cowboys dão boa literatura? Sim, amigos, e como dão.
Resta falar da abertura de Por um Punhado de Dólares. Acho que foi livremente inspirada na abertura dos filmes de 007. Mesmo assim, funcionou muito bem. Pena que o que vem depois não esteja à altura.- Você tem marcação com Clint Eastwood, vão dizer. Não é verdade, tanto que acho As Pontes de Madison (1995), com Meryl Streep, simplesmente genial. Ali pelo menos ele não faz aquelas caretas.

A boa notícia é que os faroestes estão voltando. Na Netflix tem um excelente chamado Godless, e a minissérie "Terra Indomada" é simplesmente primorosa.
Vamos lá? Esqueça a Marvel, irmão.
