Capitalismo “tik toker” transformou empreendedorismo em coaching sorridente e performático
CEFAS CARVALHO – Jornalista e Escritor (Texto publicado no Portal Saiba Mais) Após as demandas do dia paro em um barzinho para um espeto de carne e uma cerveja e lá vem o cidadão vendendo trufas, simpático, falante e, antes de tudo, sorridente: “Boa noite senhor, desculpe perturbar sua tranquilidade mas me permite que eu […].

CEFAS CARVALHO - Jornalista e Escritor (Texto publicado no Portal Saiba Mais)
Após as demandas do dia paro em um barzinho para um espeto de carne e uma cerveja e lá vem o cidadão vendendo trufas, simpático, falante e, antes de tudo, sorridente: “Boa noite senhor, desculpe perturbar sua tranquilidade mas me permite que eu mostre meu produto?”. E começa a falar sobre o material usado (chocolate de lugar tal, leite condensado Moça, etc, sempre com sorriso colgate à toda prova. Agradeci e recusei polidamente e ele se foi. Passados vinte minutos eis que chega até mim ninguém menos que o Homem Aranha (!!!) vendendo paçoquinha. Até deu vontade de comprar e puxar papo, admito, mas não o fiz e já se foi ele quase saltitando (como Peter Parker faria) para a mesa ao lado, repleta de jovens.

Mas não parou aí. Quando eu estava quase indo embora, meia hora depois, apareceu um sujeito, bem alto e grande e começou a falar não para mim, mas para o bar inteiro: “Boa noite amados e amadas, que Deus derrame suas bênçãos sobre todos. Amém!? Eu ouvi um amém! Estou aqui para falar da palavra de Deus mas também para mostrar aqui os meus produtos, amendoim com e sem casca, jujuba e balas de gengibre. Glória a Deus. Se você sentir que Deus tocou o seu coração para adquirir esses produtos, faça, irmão”. E por aí foi. Vendeu até mais que o rapaz do sorriso colgate e o Aranha
Já em casa me toquei que está cada vez mais raro vermos venda de produtos, qualquer coisa em qualquer esfera, da maneira tradicional, digamos. Aquela em que a pessoa tem um produto ou um serviço e eu, ou o consumidor, tem a vontade e/ou necessidade dela, em um processo banal conhecido como oferta e demanda., um dos motores do capitalismo prático, cotidiano.
Mas aí que é está a questão. O capitalismo moderno em tempos de internet ficou diferente. Continua selvagem, claro, posto que é a natureza dele, mas travestido agora de sorrisos e salamaleques. Um capitalismo com um pé (às vezes os dois) na cultura “coaching” que se alastrou no mundo nos últimos anos.
Fui pesquisar definições de Coaching, achei mais ou menos isso: um processo que ajuda as pessoas a alcançarem objetivos pessoais e profissionais através de um relacionamento de parceria com um profissional chamado coach (institutor ou mentor). O coach auxilia o cliente, chamado de coachee, a identificar seus pontos fortes, áreas de desenvolvimento e a criar um plano de ação para alcançar suas metas.

O que Google e IA não falam é que a prática de coaching parece passar, necessariamente, pela performance, às vezes mais até que por um conteúdo programático. Não precisamos de ampla pesquisa para perceber isso. Basta ver os muitos vídeos e reportagens sobre coaches em ação: de “especialistas” fazendo funcionários de loja rugir como leões até Pablo Marçal levar dezenas de incautos para uma montanha, “para aprenderem a ser resistentes e lutar”, e precisem ser todos resgatados pelos bombeiros e defesa civil. Passando ainda pelos Legendários, aquela mentoria que leva uma ruma de homens para uma montanha (de novo) para lá “aprenderem a ser homens”.
O capitalismo e vertentes como mentoria e coaching entraram de cabeça na dinâmica do tik tok. Tudo tem que ser performado, filmado, alegre, barulhento e rápido. Seja para vender imóveis, seja para vender picolé. Pastores evangélicos, notadamente os neopentecostais, aderiram a essa prática. Garotas de programa (ou melhor, as do “job” que vendem “conteúdo”) também. Assim como os vendedores de paçoquinha e amendoim citados no começo, espalhados pelos bares e restaurantes de Natal e do mundo.
O capitalismo se transforma e nos transforma, como sempre. De meros consumidores nos tornamos consumidores-espectadores, já que todas as áreas de comércio e serviços viraram um espetáculo devidamente embalado para os reels do Instagram. É o capitalismo tik toker onde o dinheiro gira mais fácil devidamente performado. Que Marx tenha piedade de nós!