Cai no golpe quem quer (ser mais esperto)
Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor Em meio a tanta informação e tanta coisa acontecendo mundo afora (Biden e Kamala nos EUA, Bolsonaro fechando a cartela de bingo do código penal no Brasil, Milei aloprando na Argentina) acabei lendo uma informação aparentemente banal, mas que me chamou a atenção.
Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor
Em meio a tanta informação e tanta coisa acontecendo mundo afora (Biden e Kamala nos EUA, Bolsonaro fechando a cartela de bingo do código penal no Brasil, Milei aloprando na Argentina) acabei lendo uma informação aparentemente banal, mas que me chamou a atenção. Segundo reportagem do Correio Braziliense, de 18 de julho passado, no Brasil uma pessoa cai em golpe a cada 16 segundos, aponta o anuário da segurança. O crime do golpe (estelionato) inclusive é o mais comum no país e teve quase 2 milhões de registros em 2023, um crescimento de 360% desde 2018.
Os números impressionam: O levantamento detalha que foram registrados 1.965.353 golpes ao longo de todo o ano passado, um aumento de 8,2% de estelionatos em relação a 2022 e de 360% desde 2018. O número ultrapassou os crimes de rua, que apresentaram queda em todo o país. A pesquisa avalia que houve uma reconfiguração do modus operandi dos criminosos envolvendo os delitos de estelionato, entre a última pesquisa e a divulgada nesta quinta (18) muito em razão da pandemia de covid-19. Entre 2022 e 2023, os estelionatos por meio virtual subiram 13,6% enquanto o total de golpes cresceu 8,2%. Registro de roubos a bancos e demais instituições financeiras, por exemplo, apresentaram uma queda de quase 30% no mesmo período, seguidos dos roubos a estabelecimentos comerciais.
Pensei com meus botões sobre as razões para esse aumento de casos e também nas particularidades que cercam tais crimes. Sobre o primeiro aspecto, claro que a inclusão digital e crescimento de serviços por tecnologia digital "migraram" o crime das ruas para a internet. Por que se arriscar em um assalto à mão armada se com mensagens de zap pode-se saquear de um desavisado a mesma quantia ou até mais? Atualmente a maioria das transações financeiras é feita on line, portanto, não há porque os golpistas perderem tempo passando a conversa em idosas inocentes em fila de caixa eletrônico.
Mas se por um lado as ferramentas digitais que permitem golpes "invisíveis" e hackeamentos se expandiram, também parece evidente que outra instituição brasileira se expandiu: a esperteza. Ou melhor, a mania (ou tentativa) de ser esperto. Pesquisando o assunto e lembrando de conversas e informações, vejo que parte dos golpes (e do universo de pessoas que sofrem esses golpes) tem a ver com pessoas querendo ganhar algo (a mais ou de forma estranha) ou querendo levar vantagem.
Vejamos a questão dos (falsos) empréstimos, uma das maiores categorias de golpe. Quem já tentou ou fez um empréstimo bancário sabe que para consegui-lo o banco avalia sua renda, sua movimentação, suas posses e se através de meio digital, quase sempre você tem que bater foto, confirmar dados etc. Enfim, uma burocracia chata, mas necessária. O que dizer então das pessoas que recebem uma mensagem de zap supostamente de instituição bancária oferecendo, digamos, empréstimo de 20 mil reais (10x mais que a renda, se a pessoa ganha, por exemplo, 2 mil reais) mediante a pessoa enviar para um determinado pix 200 reais, digamos (1% do total do "empréstimo"). O sujeito manda os 200 para aguardar os tais 20 mil e depois descobre que o zap o bloqueou e que o número não existe mais.
Portanto, mais um golpe e uma vítima para as estatísticas. Inocência e necessidade? Sim, claro. Mas também uma dose de esperteza (ou tentativa de), afinal, a pessoa sonhou em receber uma quantia além de sua renda e de um jeito fácil, sem burocracia (brasileiro tem horror à burocracia e golpistas sabem e se aproveitam disso com o papo de "dinheiro fácil"). Nas pesquisas que fiz, vejo que essa modalidade do "empréstimo rápido" consiste em quase 25% dos golpes virtuais.
Compras pela internet em lugares suspeitos também causam muitas vítimas. Claro que compras on-line são práticas e muitas vezes mais baratas. Mas na tentativa de adquirir algo bem mais barato (ou seja, ser mais esperto que os outros que vão comprar mais caro) a pessoa compra em plataformas fraudulentas que depois "desaparecem" ou migram para outros sistemas de maneira a não serem rastreadas pelas autoridades.
Jamais seria leviano com pessoas que de boa fé caem em golpes ou que não dominam com exatidão o mundo digital, mas sempre me parece estranho que pessoas aceitem ou acreditem em ofertas aleatórias com valores e condições muito maiores do que a realidade delas. Volta e meia recebo propostas de empréstimo dos bancos onde tenho conta, assim como aumento em cartões de crédito, e quando confiro são valores dentro das minhas movimentações e com juros, digamos, dentro da realidade salgada do Banco Central, de Campos Neto. Oferta com vantagens demais ou por e-mail, por exemplo, pulo fora. A esmola é muita, o santo desconfia, como dizia minha avó.
Outra frase, essa de Guimarães Rosa, também pode ser adequada a muitos desses casos: "A esperteza quando é muita engole o esperto". Nestes casos, pelo bolso, infelizmente.