BEM-VINDO, MR. BOND
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor O agente secreto britânico James Bond, ou melhor, 007 (os dois zeros representam permissão para matar), foi, ao lado dos Beatles e os artistas da Jovem Guarda, um ícone pop da minha geração.
Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
O agente secreto britânico James Bond, ou melhor, 007 (os dois zeros representam permissão para matar), foi, ao lado dos Beatles e os artistas da Jovem Guarda, um ícone pop da minha geração. Havia pastas 007, anel, pulseira, todo tipo de quinquilharia, além das revistas de cinema e TV com imagens do espião sempre cercado de belas mulheres. Nunca imaginamos que seria tão longevo e que sessenta anos depois ainda estaria fazendo das suas.
Tive a sorte de ver o primeiro filme da série logo no seu lançamento, na inauguração do Cinema Panorama, nas Rocas, em 1967, ano do incêndio do Mercado Público da cidade. O Panorama trazia algumas novidades, como o piso em rampa e a tela curva. O Satânico Dr. No, primeiro filme do espião, apesar de ter uma história meio boba e um vilão idem, agradou em cheio. Acho que pela produção primorosa a começar pela abertura e a música-tema, sempre espetaculares. Ou ainda a sensualidade de Úrsula Andress saindo do mar em um pequeno biquíni branco.
Acima de tudo a presença carismática de Sean Connery, perfeito no papel do agente frio, cínico e extremamente seguro de si. A cada novo filme a trama e as cenas de ação passaram a ser mais bem elaboradas e sem dúvida o episódio seguinte, Moscou Contra 007, foi espetacular, com todas aquelas sequências de ação eletrizantes. Para os padrões de hoje a violência era mínima, mais sugerida do que exibida, assim como os corpos das mulheres.
Desnecessário dizer que fiquei fã e vi todos os filmes da franquia enquanto Sean Connery era o dono do papel. Goldfinger, Chantagem Atômica, Só se Vive Duas Vezes, Diamantes são Eternos. Depois, os atores seguintes – Roger Moore mais parecia um mauricinho que um agente secreto – arrefeceram o meu entusiasmo que foi desviado para os livros de Ian Fleming, o criador de James Bond que, dizem, era leitura de cabeceira do presidente Kennedy.
O sucesso de 007 deflagrou uma onda de filmes de qualidade duvidosa e até séries de televisão. Algumas cômicas, como o engraçadíssimo Agente 86. O Agente da U.N.CL.E. Napoleão Solo, Flint, Matt Helm, Austin Powers, OSS 117, Modesty Blase, além de subprodutos como Missão Impossível, As Panteras ou os mais recentes Jason Bournes e Atômica, são todos filhos ou netos do 007.
A moda dos espiões alcançou também a literatura e teve em O Espião que Saiu do Frio, de John le Carré, com todas suas reviravoltas, o ponto mais alto. A onda era tão forte que até escritores como Graham Greene aderiram. Greene escreveu o ótimo O Fator Humano, sobre um agente duplo que age por gratidão e amor. Tudo isso, claro, tendo como pano de fundo a guerra fria. No Brasil, os livros de bolso de Brigitte Montfort empolgaram a rapaziada.
Muitos anos depois a magia de 007 voltou com força. O improvável Daniel Craig, ruivo e com um jeito rústico, agradou em cheio. E começou com o que aparentemente seria o menos atrativo dos filmes: O Cassino Royale, que se passa em um cassino de Mônaco em torno de uma mesa de bacará. Mas o que não se pode fazer com um bom ator, um roteiro preciso e boa direção?
Esse novo Bond surgiu mais frio, atlético e truculento do que nunca. Veio decidido a ser durão com todos, bandidos e até os chefes do MI-6, o Serviço Secreto inglês. Contra todas as possibilidades, quase fez com que esquecêssemos o 007 original.
Agora Daniel Craig anuncia sua retirada de cena e já se especula sobre o seu sucessor. Sai por cima, deixando os fãs com um gostinho de quero mais. O último filme é 007 - Sem Tempo para Morrer, já nos cinemas. Quem sabe não queira vir curtir a sua aposentadoria no Brasil, onde há muitas belas mulheres mas também tanto a se investigar e descobrir, tantos vilões esperando a hora de responder pelos crimes de rachadinhas, offshores, orçamentos secretos, planos de saúde acusados de trambiques criminosos, contrabando de madeira, contratos para compra de vacinas que não existem...
É. Aqui, com certeza, 007 estaria muito ocupado, na verdade sem tempo sequer para morrer.
NATAL/RN