AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ (ou, Coração de Mãe sabe tudo)
Ricardo de Moura Sobral – Advogado Eles estudaram no mesmo colégio, mas não na mesma classe.

Ricardo de Moura Sobral - Advogado
Eles estudaram no mesmo colégio, mas não na mesma classe.
Ele, atiradinho; ela, tímida e recatada, como de resto as moças daquela época. Era muito vigiada; não era fácil chegar junto. Tinha um corpo que os sem imaginação chamam de escultural e os que sabem das coisas definem com uma palavra que não se encaixa nesse texto.
Rivaldo é o seu nome; Ivete, o dela. Bem que tentou, mas nunca conseguiu obter da bela princesinha a graça de uns bons amassos. Rezou, fez promessa e nada. Quando tudo parecia perdido, surge o dia da sorte grande: Um baile de carnaval. Lá estava ela na bilheteria do clube. Do bar da esquina a viu passar, vibrou consigo mesmo: é hoje! Mas, os ventos não estavam soprando a seu favor. Bebeu além da conta, desabou no banco traseiro do carro, só acordando já de manhã, ao ser conduzido à sua residência.
No ano seguinte foi estudar em outra cidade. Nunca mais Rivaldo viu Ivete; sequer teve notícias. Cada um seguiu o seu destino.
Quatro décadas depois, já cinquentão, no mesmo bar da esquina, após terminar uma relação complicada e mal resolvida, Rivaldo viu passar uma jovem em direção ao Clube. Não tinha ela mais de dois anos além dos vinte que aparentava.

- Meu Deus, que coisa linda! Conheço essa pessoa, só não lembro de onde.
Forçou a memória à exaustão e um filme de quarenta anos atrás passou na sua cabeça, já contagiada de entusiasmo e de esperança juvenis jamais sentidos.
- Não pode ser ela. É impossível - disse.
No café da manhã Ivete viu nos olhos da filha um brilho faiscante. A pele, agora sedosa, denunciava que na essência daquela criatura delicada havia chegado um morador, que chegou para ficar. Dir-se-ia que era outra pessoa. Ivete, como que petrificada pela explosão bíblica de Sodoma e Gamorra, só observava a transformação da filha, que não se conteve e deixou escapar:

- Mãe, ontem no baile de carnaval conheci um rapaz. O pai dele estudou no ginasial com a senhora.
- Foi mesmo o filho que você conheceu? Respondeu Ivete.
Dizem que coração de mãe sabe tudo.