As rosas do Capitão
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Havíamos transformado o bar do Português em uma filial do clube de xadrez.
Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
Havíamos transformado o bar do Português em uma filial do clube de xadrez. Aquela tarde estava tranquila, de pouco movimento. Disputávamos então, eu e o Capitão, uma partida modorrenta, sem tempo determinado para acabar. Aproveitei e fiz ao Capitão uma pergunta delicada sobre algo que me roía há algum tempo.
– Capitão, é verdade que você era o terror do mulherio e teve várias mulheres, todas chamadas Rosa? O Capitão respirou fundo, emborcou o Rei sobre o tabuleiro, reclamou:
– É, camarada, essa partida já estava perdida mesmo – e ajeitou-se na cadeira depois de um longo gole de cerveja.
– Camaradinha, é como no Xadrez: se você não tem um plano na vida as coisas vão acontecendo. Eu era moço, bonito (eu disse aqui que o Capitão era dado a exageros, por isso eu havia lhe posto essa patente) e cheio de fogo. Hoje diriam hormônios. E era como aqueles papeis mata-moscas, atraía as meninas que era uma beleza. Aí apareceu Rosália, uma morena bonita e carinhosa. Com pouco tempo a gente havia casado. E tudo correu muito bem, até que Rosália adotou um gato vira-latas que apareceu lá em casa. Deu banho, enfeitou, botou um travesseiro pro bicho dormir.
– E qual o problema de criar um gato, capitão?
– Nenhum, meu camarada. O problema é que em pouco tempo ela deu guarida a mais dois que apareceram. E aí virou legião. Parece que a notícia da Madre Tereza dos gatos se espalhou e todo dia apareciam mais e mais gatos vagabundos em busca de um leitinho e um lugar quente. Minha casa virou a cracolândia dos bichanos. Gato de rabo grosso, rabo fino, preto, branco, mariscado, baixo e gordo, alto e esguio, todos com um ponto em comum, aquele andar malemolente e atrevido.
Passaram a ocupar os espaços embaixo da mesa, em cima do armário, sobre o sofá, a ponto de eu ter de disputar lugar com um Angorá e um SRD para ver TV. Eles eram fãs da Cozinha Maravilhosa da Ofélia e eu só queria ver o jogo do Flamengo. Aí invadiram o nosso quarto. Havia um Persa que só dormia nos braços de Rosália, veja se não é fogo! Um dia me emputeci e joguei duro, afinal quem ela pensava que eu era? Bati na mesa espantando três gatos que ameaçavam a minha sopa e gritei: ou eu ou esses gatos nessa casa!
– E aí, Capitão. Acabaram os gatos?
– Que nada, camaradinha. Fui obrigado a sair em busca de uma pousada e até hoje não sei se aqueles gatos estavam miando ou rindo da minha cara.
***
– Ah, companheiro, você quer saber de tudo não é? A segunda foi Rosalie. Baita duma preta! Um corpo e um aconchego que só vendo. E cozinhava como nunca conheci outra. Era baiana. Suas moquecas, acarajés e carurus me deixavam doido. Nessa vidinha de cama e mesa eu fui amolecendo e engordando.
– Rosalie me fez construir um quartinho no fundo da casa. Ali aos poucos botou uns santos e improvisou um altar. Santos pra todos os gostos. Tinha os católicos. São Sebastião, São Jorge, até Jesus. Mas tinha também uns Caboclos, Pretos Velhos, escrava Anastácia, Padre Cícero do Juazeiro. Uns budas gordinhos e outras figuras que pareciam a imagem do capeta. E as pessoas começaram a frequentar o quartinho de Rosalie, que a essa altura, eu descobri, era conhecida por Rosalie de Oxumaré. Imagine camarada, onde eu havia me metido!
Nas noites de sexta-feira ela vestia uma roupa branca larga e atendia a uns e outros. O diabo é que tinha umas consultas particulares, com a cortina cerrada, e aí é que começou a dar errado porque vinham também uns marmanjos e se metiam lá por trás das cortinas. Vê se pode. Isso podia dar certo? Uma tarde eu dei uma incerta, macaco velho que eu era, e peguei Rosalie de Oxumaré com aqueles peitos bonitos que Deus lhe deu de fora, e um sujeito magrelo que era cliente assíduo com a cara metida ali no meio como se dependesse daquilo pra viver. Com o susto ela se fez de manifestada, deu uns saltos, balançou a cabeça, tremeu-se toda. O Zé Ruela fez a mesma coisa. Esqueceu a braguilha aberta e também deu uns pulinhos dizendo “saravá, saravá”.
Fui lutador de Vale-tudo, você sabe, não é, camaradinha? Dei um trompaço no pé do ouvido do caboclo-mamador-de-peito tão certeiro que ele caiu arrastando a cortina e derrubando aquela palhaçada toda. Até converteu-se, eu soube, e hoje não arreda o pé da Igreja. Virou beato. Não bati em Rosalie, porque mulher, mesmo safada, não merece. E além do mais, aqueles peitos enormes balançando na minha frente...
– É fogo, camaradinha. Você quer saber de tudo, não é? Deixa pro outro sábado, não mandei cutucar o cão com vara curta. Ou como cantavam na Umbanda lá em casa: quem tem vara curta não assanha mangangá...
Que legal!