ARTIGO: Esquece a Venezuela, Lula!
Por Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor Pensei no título e no desenvolvimento desta coluna ainda no fim da última de semana.

Por Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor
Pensei no título e no desenvolvimento desta coluna ainda no fim da última de semana. Quando ainda estava elaborando o texto me deparo com declarações do presidente Lula, quando o Brasil assumiu a presidência do Mercosul. “Em relação à questão da Venezuela, todos os problemas quanto à democracia, a gente não se esconde deles, a gente os enfrenta. Não conheço pormenores do problema com a candidata de oposição da Venezuela, pretendo conhecer. O que não se pode fazer é isolar o país”.
Concordo com Lula no aspecto de se indignar contra o isolamento da Venezuela, iniciativa, claro, dos EUA, que fazem o mesmo com Cuba há mais de meio século. E achei saudável Lula, enfim, sugerir que o país vizinho tem problemas e contradições em relação à sua democracia e respeito (ou não) às instituições. Até a semana passada Lula insistia em defesa quase veemente do país governado por Maduro, a ponto de levar “batido” de outros presidentes Sul-americanos, como do uruguaio Lacalle Pau.
Não me considero uma pessoa inocente, sei bem que todas as democracias têm suas contradições. Nos EUA se vota num candidato para se formar um colégio eleitoral por estados cuja quantidade de votos elege o presidente, já houve vencedor com menos votos que o vitorioso (George Bush e Al Gore em 2000).
No Brasil, tivemos o impeachment, iniciado pela Câmara Federal e com a bênção do STF, de uma presidente eleita pela vontade popular devido a “pedaladas fiscais”. Lula também acertou quando disse que “democracia é um conceito relativo”. Embora a frase tenha sido deturpada e tirada de contexto pela mídia comercial, sempre com extrema má vontade com o petista e amplificando toda casca de banana que ele escorrega.
Aí é que está. A Venezuela se tornou uma eterna casca de banana para Lula, o PT e a esquerda em geral. Muito porque a Venezuela foi usada na narrativa da extrema-direita para convencer o eleitorado de que o país é uma ditadura comunista que gera pobreza, desigualdades e perda da liberdade de expressão para seu povo.

Gostar da Venezuela ou defender o Governo Maduro, portanto, significa – na narrativa construída pela extrema-direita – desejar que o mesmo aconteça no Brasil (ditadura comunista seguida de caos e miséria). Essa narrativa ignora, claro, que desigualdade social e pobreza são geradas em maior escala pelo capitalismo e “esquece” da simpatia do governo Bolsonaro e dos próprios EUA pela ditadura da Arábia Saudita, um dos países com menos liberdade de expressão no Mundo. O que importa não são os fatos e sim a narrativa para fins político-eleitorais. Essa é a casca de banana que vem escorregando.

Explica-se: a grande imprensa insiste em manter a Venezuela na pauta (sempre enfocando miséria, comunismo, ditadura) para desgastar o Lula e colocá-lo como ditador em potencial. A mídia continua querendo um “Bolsonaro que não morde” no poder. Para isso, toda pauta que contenha o crescimento da popularidade de Lula vale a pena. Num país onde boa parte da população se informa por grupos de zap e acreditou em mamadeira de piroca e kit gay, em 2018, o “fantasma do comunismo” ainda causa estragos. Não deveria.
Mas aqui neste espaço trabalhamos com o real e não com a utopia. Com o possível e não com o ideal. Como, aliás, Lula e o PT fizeram e fazem, daí os bons Governos Lula entre 2003 e 2010 e o ótimo primeiro Governo Dilma. Por fazer política dentro da realidade possível e por entender a psique da população.
E a população votou em Lula justamente por não suportar mais um país, como nos últimos quatro anos, com cesta básica e gasolina caríssimas, inflação, filas para conseguir osso, centenas de milhares de mortos por covid, atraso na vacinação.
O brasileiro quer um país onde se possa comprar com facilidade “picanha e cerveja”, como definiu Lula em uma de suas brilhantes frases de analogia sobre poder de compra e redução de desigualdades sociais. Essa mesma população, que tende a cada vez aprovar mais o governo Lula, pouco ou nada se importa com a situação da Venezuela, já que a prioridade é comprar o gás de cozinha e pagar os boletos. Mas, uma vez com comida na geladeira e contas pagas pode muito bem acreditar em fake news de zap, infelizmente.
Não convém nesse momento dar combustível para a narrativa de extrema-direita. Claro que Lula pode e deve se posicionar sobre política internacional e inclusive tem bagagem e moral para isso. Mas não carece nesta altura do campeonato e com um país para reconstruir, tratar Maduro como companheiro e se fazer de fiador do regime.

Esquece a Venezuela, Lula, que virou uma casca de banana e armadilha para a Esquerda, e foca nos problemas do Brasil que são muitos ainda.
Publicado na Agência Saiba Mais