Ah! Os nossos bons e velhos tempos…
José Luiz Ricchetti Ah, os nossos bons e velhos tempos, quando a tecnologia ainda era nossa maior inimiga e a vida era um grande exercício de paciência.

José Luiz Ricchetti
Ah, os nossos bons e velhos tempos, quando a tecnologia ainda era nossa maior inimiga e a vida era um grande exercício de paciência. Quem viveu sabe: sobreviver dos anos 70 aos 90 era um treino intensivo para a resiliência – e, claro, para o controle da nossa raiva.
Tudo começava com um simples telefonema no orelhão. Você discava, esperava a pessoa atender e – Trrrim! – quando ela finalmente dizia ‘Alô?’, a ficha caía... literalmente. Nada mais frustrante do que ser interrompido no meio de um – ‘Oi, é o Zé! Eu só queria...’ e Puff... silêncio sepulcral. Sem crédito, sem orgulho, sem final feliz.
Em casa, o sofrimento continuava. O toca-discos estava lá, girando suavemente, e você esperando aquela música especial. Mas, quando o refrão ia começar, a agulha riscava o LP bem na melhor parte! Não era só um risco no disco. Era um risco na alma!
Se você tentasse algo mais moderno, tipo gravar uma música no seu ‘tape deck’, o rádio te traía. Você passava horas esperando tocar ‘I Wanna Dance with Somebody’ da Whitney Houston e quando finalmente começava lá vinha o refrão da propaganda da emissora... "Rádio FM 102,7 a melhor programação pra você!" seguido de um barulho que parecia um trovão. Gravação toda arruinada!
Se não fosse o rádio, seria o toca-fitas mastigando a fita K7. Aliás, tínhamos um ritual de resgate: pegar uma ‘caneta Bic’ e rebobinar a fita como se estivéssemos desativando uma bomba. Às vezes funcionava, às vezes a música ficava parecendo um uivo de lobo.
E quem lembra do Atari? O cartucho não funcionava. Você assoprava, apertava o botão, tirava e colocava ele de novo. Nada.... Parecia um truque de mágica ao contrário: quanto mais insistia, menos funcionava. Mas bastava um amigo chegar, dar um tapa no console e... pronto! Funcionava. Era um mistério da eletrônica que só os amigos sabiam resolver.
Na escola, a tragédia era outra: a fita da máquina de escrever. Você datilografava a página toda daquele trabalho, perfeito! Mas na Última Palavra, errava. E não tinha fita corretiva. A única solução? Começar tudo de novo. O trauma ficou tão grande que até hoje, errar o texto do WhatsApp já nos dá calafrios.
Na TV, a vingança vinha do próprio destino. Era dia do último capítulo da novela e, claro, o sinal sumia. Seu pai subia no telhado e gritava lá de cima:
- Girei pra direita! Melhorou?
- Melhorou o 5 e o 7, mas piorou todos os outros canais!
E nunca, nunca, todos os canais ficavam bons ao mesmo tempo. O jeito era usar a antena portátil com aquele bombril na ponta e disfarçar o chuvisco com aquelas telas de plástico com seu colorido degradê para dar um toque de classe na imagem....
Na hora do lanche, a alegria durava pouco. O Ki-suco vazava da garrafinha, da lancheira e deixava o pão com gosto de uva. Ou pior: aquele patê de sardinha com maionese, que passava o dia na lancheira e se transformava numa gororoba de aparência duvidosa.
E quando você tirava as letras das músicas em inglês? Ah, um clássico! Você cantava todo feliz:
- ‘Ai uantchubié foguever ionde iunááááááá!’
Aí quando ia ver no folheto da escola de inglês ‘Fisk’ descobria que a letra era outra. Mas já era tarde. Até hoje você ainda canta errado mas agora já não liga mais....
A cereja do bolo? Os decalques que vinham no chiclete Ping Pong. Você colocava o papel com todo cuidado na pele, arranhava devagar, tirava e... cadê a perna da zebra? Sumiu. Ficou preso no papel. A zebra agora era manca! Haja paciência.
E o pior de todos os traumas: chegar à padaria e lembrar que esqueceu o casco do refrigerante. Era só esperar um pouco e já ouvia o padeiro gritar:
- Volta lá e traz o casco, senão não tem guaraná!
Tinha também o momento mágico de entrar no carro do seu pai e, ao invés de um toca-fitas comum, encontrar um toca-fitas de cartucho – aquele monstro quadrado que parecia saído diretamente de uma nave espacial. O problema era que, se a fita emperrasse, não dava para rebobinar com a caneta Bic. Mas era só esperar o carro cair na valeta, dar um solavanco e a música voltar do nada.
Nesse tempo a vida acontecia em ritmos diferentes, sem a pressa de notificações piscando na tela. O mundo cabia em um rolo de filme de 36 poses, e cada clique era um exercício de fé: você só descobria depois, bem depois, se aquele instante das férias curtido com carinho estava mesmo intacto. E às vezes, a revelação trazia uma pequena tragédia doméstica - como no dia em que todas as fotos do seu aniversário saíram desfocadas. Sorrisos borrados, velas tremeluzentes, um bolo que parecia uma pintura abstrata. Não havia segunda chance, apenas o consolo de recontar a história na memória, dando a ela as cores que o filme não conseguiu registrar.
Falando em cores, havia também aquela melancolia silenciosa que surgia quando sobrava só o lápis branco com ponta intacta, dentro da caixa de lápis de cor. Era como se o universo conspirasse para lembrar que algumas coisas simplesmente se esgotam, e outras nunca tem utilidade real. O lápis branco, coitado, ficava lá, novinho, enquanto o azul era consumido nos céus dos desenhos, o vermelho nos corações rabiscados e o amarelo nas tardes de sol. No fim, ele era um vestígio do que passou e do que nunca foi, uma espécie de metáfora infantil sobre o que sobra quando tudo se vai.
E, de alguma forma, era assim que o tempo se desenhava: feito um álbum de fotografias falhas e uma caixa de lápis desigual. Entre ausências e excessos, aprendíamos a colorir os dias e a contar histórias mesmo sem ter todas as cores à disposição.
Mas, no fundo, a gente adorava tudo isso. Tanto que, até hoje, quando a gente termina de chupar um sorvete de palito da Kibon vem aquela esperança de estar escrito ‘Vale mais 1 Picolé’. Porque, no fundo, ainda temos fé que a vida pode sempre nos surpreender...
E, se não der certo, paciência, pelo menos a gente assopra o cartucho do Atari outra vez, chacoalha o toca fitas de cartucho e quem sabe a coisa funciona...
José Luiz Ricchetti – 20/03/25

Parabéns, linda crônica repleta de lembranças. Fomos dessa época.