ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Fui recentemente convidado a palestrar sobre os desafios do mundo contemporâneo.
Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
Fui recentemente convidado a palestrar sobre os desafios do mundo contemporâneo. Nunca havia pensado nisso, talvez porque vejo tudo sempre com olhos otimistas e as novidades são, para mim, sempre muito bem-vindas. Além disso, desconfio de previsões catastróficas, apocalípticas, como recentemente pessoas atribuíram ao Calendário Maia o fim do mundo iminente.
Tempo atrás, um ufólogo da terrinha deu entrevista ao extinto jornal Diário de Natal que teve chamada de primeira página, anunciando a data precisa em que os discos-voadores viriam pegar os eleitos e a arraia miúda seria destruída. A data veio e se foi e não sei o que foi feito do profeta.
Décadas atrás os 'Borboletas Azuis', em Campina Grande/PB, reuniam mantimentos para sobreviver ao fim da civilização. O 'Projeto Aquário', nos anos 1970, liderado por um arquiteto de Brasília, nos recomendava vender tudo e buscar as terras altas do nosso território, pois que tudo ia ser inundado.
Os ETs, sempre eles, também eram parte desse projeto. Nos EUA, quando da última passagem do cometa Haley, um grupo cometeu suicídio coletivo para pegar carona junto, não se sabe até onde. Quantas vezes o mundo acabou? Os cartunistas exploram uma onipresente figura de bata e barbas longas, cabelos desgrenhados, portando uma placa em que anuncia o fim do mundo.
O livro do Apocalipse, Nostradamus e tantos outras profecias são sempre lembradas. Nando Reis canta “Quando o segundo sol chegar, para realinhar a órbita dos planetas...” Vai acontecer? Tudo é possível daqui a bilhões de anos, talvez. Confesso que não estou muito preocupado.
Mas os desafios, sim, existem. O mundo mudou de forma vertiginosa e muitos de nós não se dão conta disso, ocupados que estamos com as nossas vidinhas. Olhamos mais para as conquistas do passado do que para os feitos maravilhosos da contemporaneidade. Não percebemos que o que foi futuro nos nossos vinte anos é o presente de hoje.
Yuval Harari em seus livros, Sapiens, Homo Deus, 21 Lições para o Século XXI, nos atualiza quanto a alguma destas questões. Por exemplo, a possibilidade da imortalidade, ou mais surpreendente, o fato que as grandes corporações já se debruçam sobre essas pesquisas. Quem imaginou uma coisa desse tipo? As IA abrem possibilidades tão fantásticas que os próprios criadores meio que travaram os estudos, assustados.
Até onde tudo isso vai? Apenas se imagina. Vida longa, saudável, próspera. Será o paraíso?
Somos alertados para algumas coisas que estão aí. Hoje se morre mais de obesidade e diabetes, por exemplo, do que de fome. Ela, a fome, o grande problema dos tempos antigos, matadora de milhões de pessoas junto com as epidemias ou pestes, foi domada. Não vamos esquecer, as pestes literalmente dizimavam as populações. O cólera, a varíola, a gripe, liquidavam um terço da população que se quedava indefesa. Recorriam a Deus, aos padres, às procissões. Os homens da saúde nem sabiam contra o que estavam lutando pois não sabiam da existência de vírus ou bactérias.
Tivemos (ainda temos) a Covid, e perdemos 700 mil pessoas no Brasil. A reação foi imediata. Os homens não se limitaram a rezar, mas foram aos laboratórios em busca da vacina em tempo recorde. Não fosse a burrice e maldade dos gestores muitas vidas mais teriam sido salvas. Nossos campos produzem alimento para alimentar a todos com folga, não fosse a cobiça, a ambição e a desumanidade de tantos.
A expectativa de vida dos brasileiros era de 48 anos em 1958. Hoje é de 76 anos! Quase dobrou. E projeta-se para 2100 a média de 88 anos de vida para nossa população. Trata-se ou não do cumprimento dos sonhos mais otimistas?
Nos meus vinte anos, lutava nas cabines da TELPA (Telefônica do Pará), tentando uma ligação cara e péssima para meus pais. Hoje mato a saudade do meu filho, que mora na China, conversando e vendo a carinha dele na tela do meu celular. E o preço tá incluído na mensalidade.
Que tal? Se você continua a achar que o ontem é que era bom, fazer o que?
Os males de hoje são talvez o excesso, não a falta. Depressão, síndrome de pânico, vazio existencial, solidão, violências de todos os tipos, acontecem talvez em razão do desligamento dos valores espirituais e humanitários. As religiões, é preciso reconhecer, falharam, apesar das tentativas em manter o rebanho unido e principalmente esclarecido.
A Bíblia, o livro mais editado no mundo, não compete com Harry Potter ou Paulo Coelho. Essa geração que lê pouco não vai se deter nas longas páginas do Êxodo muito menos no Eclesiastes. Nem ouvir longos sermões, a não ser picotados e colocados, tipo drops, no Youtube.
Nós tínhamos tempo para isso. Tempo para ouvir o rádio. Meu avô sintonizava todas as noites a 'Hora do Brasil' ou a BBC de Londres. Os da esquerda buscavam a rádio de Moscou em suas transmissões em português. As noites eram longas. Padre Eymard, às seis horas da noite, celebrava a 'Hora do Ângelo', na rádio Rural.
Falei do excesso, não é? Pois é. Paulo Francis, jornalista famoso nos anos 1970, escreveu uma vez que o excesso de informação geraria um máximo de confusão. Não acreditei nisso, mas tá aí. Fakes, superficialidades, mau jornalismo, destruição de reputações, desinformação.
Concluo que a nossa evolução no que toca à tecnologia e ciência tem sido e continuará a ser, fantástica, maravilhosa, quase inacreditável.
Nós emperramos, na verdade, quanto ao nosso progresso moral. Esse se arrasta, claudica, anda a passos de tartaruga manca. Continuamos os mesmos e vivemos como os nossos pais. E essa, infelizmente, é a má notícia.
Grande Emerenciano, leitura obrigatória.
Grande Emerenciano, leitura obrigatória. 👏👏👏👏👏👏👏