Acende a fogueira no meu coração
NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor Eita, pessoal, chegou o são-joão!!! Existe festa melhor, mesmo tendo perdido muito dos seus encantos? O crescimento da malha urbana com rede elétrica, asfalto nas ruas, risco de acidentes com rojões, proibição de balões e ausência de apoio dos governantes tiraram muito do seu brilho.

NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor
Eita, pessoal, chegou o são-joão!!!
Existe festa melhor, mesmo tendo perdido muito dos seus encantos?
O crescimento da malha urbana com rede elétrica, asfalto nas ruas, risco de acidentes com rojões, proibição de balões e ausência de apoio dos governantes tiraram muito do seu brilho. Como é possível fazer fogueiras se alguém vai reclamar da fumaça, o asfalto vai derreter e o trânsito de automóveis atrapalhar tudo? E em se morando em apartamentos então, nem se fala. Sem fogueiras para pular, cadê o milho assado na brasa, o apadrinhamento, as adivinhações, as bombinhas?
Na minha casa a festa ficava animada quando o meu pai chegava trazendo os fogos de artifício. Traques, mijões, triângulos, estrelinhas. Lembro, especialmente, de um chamado espanta-coió que a gente esfregava no cimento causando pequenos pipocos. A bomba-parede, meio clandestina, a gente comprava escondido. Havia, também, os arraiais de bairros ou mesmo ruas, com quadrilhas improvisadas e tudo mais, e a gente dançava ao som do anarriê, anavantu e balancê. E de Luís Gonzaga cantando “Ai São João do carneirinho, você é tão bonzinho, fale com São José”.


Minha mãe fazia todas aquelas advinhas. Faca na bananeira, pingos de vela na água de uma terrina. A cera ia formar a inicial da futura pessoa amada. Uma ocasião, ela amarrou em um fio de meu cabelo uma aliança e segurou sobre e dentro de um copo, como um pêndulo. As pancadas nas bordas definiriam a idade do meu casamento. Cochilou, cansada, e a aliança caiu dentro da água. Seria um presságio?

Bem ou mal, nossas quadrilhas sobrevivem. Agora sob o rótulo de estilizadas. Adquiriram ares de escola de samba, com enredo, categorias e vencedoras, o que implica também em perdedoras. A semelhança com as quadrilhas tradicionais é apenas remota. O resultado é bonito, não tem como negar. Pena que se apresentam em ambientes fechados para facilitar a transmissão da TV patrocinadora. (Lembro aos tradicionalistas que não há mais uma escola de samba, uma sequer, que não tenha aderido ao passo marcado das super escolas de samba S/A. Inclusive a verde e rosa Mangueira) .

É época boa para nossos artistas tipo sanfoneiros, zabumbeiros e cantores. Poderia ser ainda melhor se não houvesse a invasão dos falsos sertanejos e piseiros (seja lá o que for isso). E até do rap, funk e axé baiano. E aqui penso no absurdo esquecimento dos nossos grupos folclóricos que resistem heroicamente (até quando?). Grupos de Bumba-meu-boi, Congos, Pastoril, Fandango, Lapinha, Araruna. Há uma frase atribuída a Tolstói. Diz assim: “Queres ser universal? Canta a sua aldeia”. Pois então? A aldeia dos potiguares sufoca, quando devia ecoar, os sons de sua tradição. E não posso deixar de lembrar o prefeito Djalma Maranhão, esse sim, armava palanques, visitava os arraiais e dava espaço para os grupos tradicionais.

Na casa dos meus avós, no interior, podia ver a festa em sua inteireza. Minhas tias penduravam lanternas coloridas nas janelas e bandeirinhas na fachada da casa. A cozinha se enchia de mulheres a preparar os quitutes. Pamonhas, canjica, milho cozinhado. Até eu ajudava, moendo milho e observando aquela trabalheira. Todos colaboravam.

À noitinha os noivos da quadrilha passavam em uma carroça enfeitada rumo ao pátio onde ia ser feita a apresentação. Todos se vestiam como caipiras e eu ia junto ver aquilo tudo, fascinado. E haja sanfona, alegria, encontros e boas risadas com as peripécias do padre, do delegado, e dos dois soldados agarrando o noivo pelos braços na simulação de casamento na roça.
Olha a cobra! Olha a chuva! É mentira! Isso sim, uma festa do interior.

Ao redor havia pescaria, pau-de-sebo, pipoca, algodão doce, cachorro-quente, pé-de-moleque, cocadas, uma profusão de sons, cheiros e sabores. A garotada agradecia, feliz, a esse São João menino que dormia junto a um cordeirinho. Os adultos passavam a dançar um forró de pé de serra que rolava até as primeiras horas da manhã. Nada de forró universitário.

Mas nem só de quadrilhas vive o são-joão. O principal era a reunião das famílias. Os parentes da capital chegavam trazendo filhos e netos. Alguns até vinham do Sul do país para viver esses momentos nos lugares de origem junto à “tropa”, como dizia meu avô.
Hoje morro de inveja dos que viajam pois não tenho mais ninguém no interior. Todos vieram, aos poucos, para a capital em busca de boas escolas e oportunidades de trabalho. E as festas juninas tradicionais passaram a ser uma bela lembrança.
Como não sentir saudades dos arremedos de namoricos junto à fogueira e a troca de promessas: “São João disse, São Pedro confirmou”. A gente via ali uma possibilidade futura de algo perene, um romance, um casamento, quem sabe? Que não terminasse em um triste Santo Antônio me enganou...
