Por Pe. Matias Soares Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Mirassol - Natal
O que é afirmado pelo evangelista João de que “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (cf. Jo 8,32), nunca como nos dias atuais ganhou tanta força, principalmente por causa da grande revolução portada pelas mídias. A importância da transparência para a conquista e confirmação da credibilidade das instituições e pessoas que as compõem é um bem inestimável para quem tem o nobre encargo de ser administrador dos bens civis e eclesiásticos.
Uma Igreja sem credibilidade perde a sua força temporal. O que diz e não vocifera, não é valorizada. Triste é a concepção de que os fiéis relativizam valores que estão inseridos na construção cultural e histórica do povo. Quando estudamos a teologia fundamental, somos instruídos sobre a necessidade da compreensão da credibilidade para o amadurecimento da nossa relação com Jesus Cristo e a sua Igreja. A ciência teológica, quando não é de computador e capa de livro, tem essa convicção.
O Código de Direito Canônico, no Cân. 1287 § 2, assevera que “os administradores prestem aos fiéis conta dos bens por estes oferecidos à Igreja, de acordo com as normas a serem estabelecidas pelo direito particular. No comentário de rodapé a este parágrafo, o compêndio ainda esclarece o seguinte: “Embora não se imponha aqui a obrigação, seria muito conveniente, para dissipar preconceitos e concepções errôneas sobre as pretensas riquezas da Igreja, que as pessoas jurídicas canônicas dessem maior publicidade a todos seus orçamentos e balanços, não só a administração dos bens que provêm das ofertas dos fiéis”.
A aplicabilidade destes princípios é extremamente necessária à gestão dos bens eclesiásticos, que, afinal de contas, pertencem ao povo de Deus. Mesmo sendo considerada uma entidade de direito privado, a dinâmica administrativa da Igreja acontece como sendo de direito público, já que a base de sustentação dos seus bens temporais é oriunda das doações e ofertas dos fiéis que a compõem.
A sociedade contemporânea exige essa postura da Igreja, como também das demais instituições mediadoras entre as comunidades e outros interessados na justa organização dos bens que pertencem ao povo e que devem estar a serviço do mesmo, tendo em vista o bem comum, a justiça e a vivência da caridade. Aquilo que é para os cidadãos o sentido da cobrança dos impostos, é o dízimo para os fiéis que fazem parte de uma comunidade eclesial. Sendo que, o primeiro é feito por força e o último é por experiência de fé e consciência de pertencimento.
Nenhum gestor, seja ele público ou eclesiástico, tem o direito de tratar o patrimônio que lhe foi confiado a gerenciar como se fosse de direito particular. Como este fosse seu e de seus agregados familiares e de intimidade. Essas práticas abusivas são imorais e incongruentes com a missão que, como servidor das pessoas, por estas lhe foi concedida.
Há que ser desenvolvida e acolhida a narrativa constante para todos os envolvidos de que não é obrigação dos cidadãos e dos fiéis ir ao encontro dos administradores para que estes sejam transparentes no modo de proceder com a organização das finanças, mas é antes de tudo obrigação destes assumirem tal atitude. O mundo tem colocado em dúvida a lisura dos entes públicos e eclesiásticos frequentemente.
Acerca destes últimos, muitos acontecimentos vergonhosos têm sido noticiados pelos meios de comunicação. Os problemas, normalmente, são de ordem sexual e administrativa. No próprio ordenamento teológico da Igreja, estes são tidos como situações imorais e escandalosas. Como é próprio da engenharia das mídias sociais, algo que é mínimo torna-se máximo e fragiliza todo o corpo civil e eclesial.
A Igreja, como as demais instituições, deve considerar com muita seriedade essa questão da publicidade continuada das suas ações administrativas. Ela mesma não pode esquecer que a etimologia da palavra administração significa – ad ministrare – “a servir”. Quem tem a responsabilidade de cuidar do patrimônio, seja da Igreja, como também dos entes constitutivos do Estado Democrático de Direito, é obrigado a fazê-lo observando os princípios da Constituição Federal, no seu art. 37, que regem a administração pública, a saber: “A legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência”. Vale ressaltar que estes fundamentos estão interligados e que, considerando o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, devem, outrossim, ser observados pela Igreja na condução dos bens a ela pertencentes.
Essas discussões, por necessidade de fortalecimento institucional, precisam com urgência fazer parte das nossas reflexões e debates em conselhos para assuntos econômicos, pastorais e, em âmbito civil, nos conselhos paritários. Como os bens que pertencem aos fiéis e aos cidadãos estão sendo usados? Como são aplicados? Como acontecem os planejamentos orçamentários? Quem faz usufruto dos impostos cobrados? Como é usado o dízimo e demais doações das comunidades paroquiais e diocesanas? Existe nepotismo nas instituições públicas e eclesiásticas? Onde termina o legal tem lugar para o moral? Se a Igreja cobra dos entes civis, não deveria ela também testemunhar o que prega e denuncia? Esses e tantos outros questionamentos podem ser feitos por todos os que estão contidos nas realidades civis e eclesiásticas.
Enfim, a maturidade é promovida numa instituição quando temos a oportunidade de fala, sem medo de perseguições e retaliações. Se isso não acontece, é sinal de enfermidades jurídicas e éticas. O Papa Francisco nos ensina que o estilo sinodal é o rosto da Igreja neste terceiro milênio. A gestão da coisa pública e eclesiástica também é chamada a fazer esse caminho; muito particularmente com a participação efetiva do povo de Deus. Enquanto não tivermos honestidade e fortaleza para vivermos estas atitudes, que são sinais também de serviço autêntico ao projeto do Reino de Deus, não teremos autoridade evangélica e institucional para sermos anunciadores e propositores da verdade, da justiça e do bem comum.
Assim o seja!